Sunday, June 12, 2016

Velho discurso em novas plataformas

Publicado em 12/06/2016 às 06h00. Atualizado em 12/06/2016 às 09h30.

Velho discurso em novas plataformas

Ano eleitoral comprova o que já se sabe: nada mudou na política brasileira. O ranço do marketing político tradicional, agressivo e compressor, continua em vigor

Liliana Peixinho
voto politico
Imagem ilustrativa (Ilustração: Blog Voto Zero)

Mesmo com a falta de credibilidade dos partidos, no Brasil, impressiona o apelo de programas pagos em horário nobre em mídias de largo alcance como televisão e rádio. Os parlamentares e representantes de legendas tratam o serviço como um negócio e tentam seduzir “clientes” em linguagem ultrapassada, destaque para dados sobre o número de municípios e estados onde estão representados, em discurso, insosso, cínico, cara de pau e sem novidades. A agonia da mensagem é revelada em leituras mal feitas de textos produzidos pelo marketing político de cada legenda, que, embora muitas, centenas, o discurso tem o mesmo formato. E fico aqui pensando que tipo de eleitor ainda se deixar enganar, acreditar, em discursos tão rasos! E porque nós, eleitores, ainda somos obrigados, direta ou indiretamente, a pagar caro, por uma audiência imposta, no automático.
Fiz uma pesquisa entre amigos, familiares e conhecidos, para saber quem desliga a TV, por exemplo, durante a exposição desses programas, diluídos ao longo de todo o ano. De 50 pessoas contatadas somente três disseram que desligam a TV e a quase totalidade disse que por estar na frente do televisor, não se esforça para desligar a TV. Dessas pessoas, 20 têm TV a cabo, condição que até os fariam esquecer outras programações, em canal aberto, e mudar a programação. O que poucos o fazem. A maior parte disse que deixa a TV ligada, mas sai do sofá para fazer outra coisa: ir ao banheiro, à cozinha, fazer uma ligação telefônica, preparar uma merenda, para não perder a programação que se preparou para assistir, seja um jornal, uma novela, um programa de entretenimento. Dos que veem a programação partidária, a maioria disse que gosta de ver para poder dar risada ou mesmo criticar o discurso dos candidatos, do partido, seja qual for a legenda.

Não há nada de novo em quem defende

discursos velhos como novas políticas


Em ano de eleição, e com tanta falta de credibilidade dos partidos e dos políticos, fico a pensar o que novos partidos, surgidos sempre em rastros de outros, por decepção, por busca de espaço ou mesmo por disputa de novos discursos, podem fazer, de fato, para não repetir erros que estão a combater, em vícios históricos, como a cata de eleitores, filiados, militantes! E o que pensam e querem essas pessoas, sobre as legendas que carregarão nas costas, na cabeça, no ombro, na mente e até no coração, como dizem alguns por ai? Uns pagos para isso, outros pagando o que não têm querer acreditar que o voto é direito sagrado e que não pode ser jogado fora, vendido, negociado, trocado como moeda eleitoral.
Vemos alguns partidos, antes chamados de nanicos, ganharem força, visibilidade e representação, Brasil afora. O caminho tem sido o mesmo, baseado em práticas de antigas legendas, onde fisiologismo, panelinhas, puxa-saquismo e brigas cínicas estressam os espaços por disputa de apoios às candidaturas que defendem, por amizade ou profissionalismo. Não vejo nada de novo em quem defende discursos velhos, como novas políticas. O ranço do marketing político tradicional, agressivo e compressor, continua em vigor. E, se acham que tem funcionado para os velhos objetivos, por que mudar? Será que o eleitor está mesmo exigente para discernir entre quem, como, o que quer, e precisa acreditar, para justificar suas escolhas de representação?
Tenho visto um movimento, nesse mercado, que ganha força, em novas formas de captação de recursos, via plataformas crowndfunding, financiamento coletivo de projetos, ações, para dar cara nova, ao velho fazer de conta.  Os mecanismos até são novidade para um país com sujeira histórica entre campanhas e financiadores delas. As velhas formas de viabilizar o discurso continuam a consumir tempo, recursos e paciência, para encarar palestras, participar de eventos de formação política, com discursos velhos, em cara travestida de nomes robustos, generalistas, nos quais análises de conjuntura política, cenários, problemas e desafios, continuam na pauta. Mas, sem apontar caminhos que realmente incluam os que, desconfiados, ficaram traumatizados, decepcionados, escaldados de novos discursos, para velhas práticas. E tem é gente desmotivada a se mobilizar, para participar de plenárias, cenários sedentos de poder e ego espelhados em selfies rasas, Brasil afora. E ainda bem! Quem sabe o “não” abra espaço para o “talvez”!
liliana campanha permanente desde 199 D zero camisa pretaLiliana Peixinho – Jornalista, ativista, autora de “Por um Brasil Limpo”, Fundadora da Rede Ativista de Jornalismo e Ambiente (Reaja), Movimento Amigos do Meio Ambiente (ama), Mídia Orgânica e outras mídias alternativas. Especializada em Jornalismo Científico e Tecnológico. Vencedora do Prêmio Shift – Agentes Transformadores – 2015.
TEMAS: Brasil , decepção , eleição

Wednesday, June 08, 2016

O sujo no verde

Publicado em 05/06/2016 às 08h00.

O sujo sob o verde

Ativistas precisam estar atentos: eventos em defesa do meio ambiente jamais deveriam ter patrocínio de organizações sem compromisso com a vida

Liliana Peixinho
meio ambiente
Imagem ilustrativa (Foto: Site Mente Livre)

Como jornalista, ambientalista, ativista, pesquisadora, cobrindo grandes eventos sobre meio ambiente, Bahia e Brasil afora, anos e anos fazendo isso, não foram poucas as vezes que me indispus com a organização ao questionar sobre, por exemplo, como um congresso, um evento X qualquer, pode receber recursos, ser patrocinado, em parcerias com governo, empresas e instituições, que a própria pauta do evento está a combater?
A enxurrada de eventos, encontros, seminários, exposições, que se realiza durante esse período de junho, na chamada “Semana do Meio Ambiente”, assim como em outras datas convencionadas pelo mercado capital, não tem se mostrado coerente, sensata, com os desafios  que o cuidado com a vida está a nos exigir. Observamos um sem número de ONGs, institutos, associações, caras jurídicas diversas, usando seus CNPJs para captar recursos volumosos em nome de um evento, que, por si só, será suficiente para consolidar uma imagem que seduza o capital, apressado, em sucessivos apoios.
Esse caminho tem sido adotado, há anos, para um fazer de conta que faz, em marketing agressivo e eficiente para o capital, o “greenwashing”, pintado de verde por fora, mas sujo, muito sujo por dentro. Basta uma pasta bonitinha, com logomarca, recheada com um projeto bem apresentado visualmente, propostas para inserção de marcas, nomes das empresas, logomarcas, em peças publicitárias sedutoras de empoderamento, visibilidade na mídia, algumas fotos de registro de eventos anteriores, para conseguir recursos dos mais variados: desde passagens de avião, refeições em restaurantes caros, traslados profissionais de aeroporto para hotel, do hotel para o local do evento, e outros mimos, brindes, passeios turísticos em locais paradisíacos – em abundância Brasil afora – e até, quem sabe, contratos de parcerias, consultorias, assessorias.

Faz de conta com dinheiro

público deveria ser crime

Não importa muito o que se falou, o que se ouviu, o que foi pactuado, registrado, acordado como saída para os problemas abordados na programação, seja de forma rasa, ou até profunda, como alguns palestrantes sérios se propõem a expor em público. Mais importante que as respostas, em eventos  onde se abre espaço para a plateia, são as perguntas. Porque estão nelas, o melhor no microfone, a oportunidade de alguém fazer o seu registro para as lentes de fotógrafos, videomakers, repórteres, assessores e sistematizadores de relatórios. Material de memória que servirá para alimentar futuros eventos.
Nada contra a realização de eventos. Desde que o volume de recursos, esforços, estrutura, logística, megaproduções, que tem sido utilizado, ao longo do tempo, pudessem realmente compensar tanto esforço, em nome da pauta. Infelizmente, o que vemos são demandas reprimidas históricas. E o que se capta, capitaliza, gasta, desperdiça, investe, em nome disso, ou daquilo – os focos são diversos e variados, como os problemas – pudessem, finalmente, sinalizar caminhos limpos, para um Brasil tão sujo, de forma literal e politicamente apresentado.
Em nome de democracia,  liberdade, livre mercado, parcerias, isso e aquilo, o que vemos por aí é muito cinismo criminoso, muita omissão, cumplicidade e “tô nem aí” desde que “meu pirão primeiro.” Se os investimentos feitos em nome do greenwashing fossem revertidos, aplicados em nome do que se está a propagar, publicizar, visibilizar, a vida não estaria tão doente, como vemos, todos os dias, nas reportagens sobre gente dormindo em filas para tentar marcar um exame para meses e meses depois.  Se continuarmos aceitando sujeiras aqui ou acolá, em pequena ou larga escala, seja na administração de um condomínio, ou na presidência de um país, continuaremos sem saúde, saneamento, educação, moradia, segurança, só para ficar no básico. Faz de conta com dinheiro público, por exemplo, deveria ser crime.
liliana campanha permanente desde 199 D zero camisa pretaLiliana Peixinho  é jornalista, ativista, fundadora da Rede de Ativismo em Jornalismo e Ambiente (Reaja), movimento Amigos do Meio Ambiente (AMA), Mídia Orgânica, e outras mídias alternativas. Especializada em Jornalismo Científico e Tecnológico.

TEMAS: meio ambiente , prática , teoria

Solenidade e desemprego

Publicado em 29/05/2016 às 07h00.

Solenidade e desemprego

Em plena festa de colação de grau, formandos publicam selfies chamando a atenção para a falta de emprego

Liliana Peixinho

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Imagem ilustrativa / Reprodução (internet)

A família madruga para chegar ao trabalho em transporte desumano, não consegue acessar recursos de financiamento público universitário, passa o maior sufoco para tentar pagar contas básicas de luz, condomínio, água, supermercado, engana o estômago com porcarias, em correria na rua, faz o maior sacrifício para pagar as mensalidades da solenidade de formatura do filho, como um sonho, e no dia da festa de gala, os formandos publicam selfies nas redes sociais cuja legenda ironiza a disputa de espaço, na foto, como recém-formados em cenário de desemprego.
Ao ler uma legenda assim, descrita por um grupo de formandos antenados na realidade social brasileira sobre incapacidade do país em acolher novos profissionais, senti tristeza por, depois de anos acompanhando histórias de vidas dedicadas a sonhos, vê-las agora, interrompidas pela onda de desemprego crescente. Se para um jovem, de 23, 24 anos, é uma realização a formatura como símbolo de perspectiva para novos horizontes de vida, espaço para aplicação dos conhecimentos adquiridos em dedicação aos estudos; o trabalho, o emprego, a remuneração pelo desempenho da atividade, deveria ser garantia, como recompensa aos anos de dedicação e investimentos financeiros na formação profissional. Mas o sonho virou pesadelo.
Exatamente porque é entre os jovens que a escalada de desemprego faz o maior estrago, que a tristeza aumenta. E a gravidade, conforme análises de  especialistas, é que esse cenário pode deixar, em alguns anos, um grupo de pessoas sem trabalho, e sem experiência, para conquistar espaços adequados às suas qualificações e aspirações. Assim vemos por ai fisioterapeutas que tentam vender roupas; economistas em atendimentos call center; psicólogos em disputas de espaços em táxis, administradores que empreendem em food-trucker, e um sem-fim de desafios em arranjos criativos sem nenhuma garantia de sustentação num mercado abalado, sem credibilidade.

A taxa de desocupação entre jovens de 18 a 24 anos foi a que mais cresceu entre os grupos etários


Embora o desemprego entre os jovens sempre apresentem taxas mais altas que em outros grupos, o que surpreende é a velocidade apresentada em cenários mais recentes. Informação dá conta que  “O salto na taxa de desemprego nessa faixa etária foi de 4,7 pontos percentuais em relação a 2014, enquanto a média geral da população das grandes metrópoles foi de dois pontos percentuais”. A taxa de desocupação entre jovens de 18 a 24 anos, segundo dados do IBGE, ficou em 16,8 em 2015, e foi a que mais cresceu entre os grupos etários. Dados preocupantes num cenário político econômico que brada por mudanças e faz é tempo. Essa garotada sedenta por justiça social e vontade em trabalhar e contribuir para um Brasil justo, não merece entrar para a história como uma “geração perdida”.
Hellen, Icaro, Juliana, Bianca,Thais, Milena, Veronica, Harrisson e tantos outros jovens profissionais, olha, o mundo, quem sabe, dará boas voltas e em nome dos esforços despendidos por cada um possamos ter esperanças para as atuações que vocês querem e precisam realizar. Saibam que vocês nâo estão sozinhos e muitos profissionais qualificados, experientes, super graduados, estão por aí, diversificando atividades pra driblar os efeitos de uma crise que. tenham certeza, cada um de nós teve a sua contribuição ao escolher,  acreditar e votar em promessas de representantes não cumpridores de suas palavras. E que a realidade nos sirva de exemplo para ver que rumos queremos dar a gerações que, como a de vocês, não se sintam perdidas, sem representação nos ambientes de decisões do país.

liliana campanha permanente desde 199 D zero camisa pretaLiliana Peixinho  é jornalista, ativista, fundadora da Rede de Ativismo em Jornalismo e Ambiente (Reaja), movimento Amigos do Meio Ambiente (AMA), Mídia Orgânica, e outras mídias alternativas. Especializada em Jornalismo Científico e Tecnológico.

Monday, May 30, 2016

Brasil em direitos negados

Publicado em 15/05/2016 às 08h15.

Brasil em direitos negados

Num momento em que o país passa por mudanças no comando central, há sinais de que pouco (ou nada) mudou para o cidadão brasileiro comum

Liliana Peixinho

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Imagem ilustrativa (Foto: Blog Cleber Miranda)

Num país onde o povo fica horas em filas, seja para esperar ônibus lotados e sem segurança, tentar disputar uma dose de vacina contra vírus mortais, lutar por uma vaga em creche pública, agendar um horário no INSS para uma perícia médica e esperar meses e meses para ouvir um não a benefícios negados a quem não pode andar nem usar as mãos. Num país onde as leis elastecem mordomias, mas restringem direitos básicos como acesso a água limpa e esgoto sanitário. Num país onde se prende quem rouba uma fruta e deixa solto quem sucateia as riquezas naturais; onde se fica rico de um dia pro outro, mas se perpetua a miséria em engodos sociais; onde se sai de casa em labuta diária, sem a garantia de volta para a família, o que esperar desse país, cujas composições ministeriais, historicamente, são responsáveis por esse quadro de desigualdade social?
Quanto tempo (anos, décadas) será necessário para se restabelecer um país, cujos bens patrimoniais – como o Rio Doce, o Velho Chico, a Amazônia, o Cerrado, a Caatinga, a Mata Atlântica, os bancos de fomentos – e as comunidades tradicionais indígenas, quilombolas, agricultores familiares, artesãos, pescadores, são explorados em nome da expressão sustentável, em conceito desgastado, mal utilizado, sem prática real da necessidade entre produção e consumo?
O que esperar de um país que se vangloria de políticas econômicas cujas commodities agrícolas registram imagens áreas de uma terra em monoculturas transgênicas ou plantios envenenados em agrotóxicos? Um país que mata na mesa e resiste em mudar sistemas produtivos desumanos, insanos, indignantes, em estado similar ao da escravidão de mão de obra? O que esperar de um sistema onde o faz de conta ainda engana, seduz cidadãos que não perdem a esperança em discursos rasos, falhos, comprovadamente criminosos, como os apurados na Operação Lava Jato?

Se alguns continuam com tantas regalias, o

que esperar do país, seja em que governo for?


O que esperar de um país onde recém-formados fazem fotos como futuros desempregados e sabem que toda a criatividade, coragem e conhecimento não serão suficientes para enfrentar uma crise onde mais de 10 milhões de trabalhadores, muitos experientes e bem preparados, amargam a agonia de não poder pagar contas básicas como luz, água, condomínio, transporte?
O que esperar de um novo governo, com práticas de velhas políticas, excludentes, concentradoras de renda, cegos a anseios de direitos básicos como moradia decente; e que paradoxalmente, imprime, sustenta, garante um sistema que privilegia mansões desocupadas enquanto espreme famílias numerosas em casinhas sem estruturas mínimas como esgoto sanitário, transporte decente ou posto de saúde que cuide da vida, antes da morte?
O que esperar de um sistema político, historicamente viciado em corromper o porteiro, a merendeira, a secretária, o professor, o diretor, com escolas onde até o alimento para os alunos, é desviado, superfaturado? Para os sem partidos, sem representação política, sem rabo preso, que resistem ao mais de mesmo, ao faz de conta, a cenários de selfies rasas, em práticas de ostentação egoístas, o Brasil dá sinais de que vai demorar a se recuperar.
Temos escutado por ai que há esperança. Essa pode ser para os netos e bisnetos de uma geração que muito lutou para ver o país, não concentrador de renda, mas que pudesse espalhar, distribuir, compartilhar sua riqueza com todas as camadas sociais, sem privilégios desse ou daquele grupo social, mas, em especial, para os que, historicamente pagam uma conta alta por acreditar em promessas de vida fora do faz de conta, em mudanças reais e de direitos, que continuam negados e até quando? Se vereador, deputado, senador, presidente, funcionário público dessa ou daquela instituição, continuar com regalias como foro privilegiado, assessores, moradia, salários, assistência médica e tudo o que um ser humano precisa, em detrimento de outros, que nem mesmo podem pagar pela morte matada, em dados que falam em cerca de 50 mil homicídios por ano. O que esperar desse país, seja em que governo for?

liliana campanha permanente desde 199 D zero camisa pretaLiliana Peixinho é jornalista, ativista, autora de “Por um Brasil Limpo”. Fundadora da Rede Ativista de Jornalismo e Ambiente (Reaja), do Movimento Amigos do Meio Ambiente (AMA), da Mídia Orgânica e outras mídias alternativas. Vencedora Prêmio Shift – Agentes Transformadores – 2015.

Tuesday, April 26, 2016

Brasil, desperdícios, e descasos criminosos





Liliana Peixinho *

 Imagina uma lente de filmagem, gigante como o Brasil, rastreando obras inacabadas, sucateadas, abandonadas, interrompidas, embargadas, implodidas, superfaturadas, armengadas, como um cemitério de dinheiro público, desperdiçado, jogado fora, em descaso, de norte a sul do país.  Um  filme  como retrato real  de um jeito, muito estranho, irresponsável,  em não planejar, em interromper, não finalizar, executar com rigos, trabalhos iniciados, revelando um fazer descuidado, criminoso mesmo com a vida do povo e com a  fonte matriz produtora de tudo: a natureza. Somos experts em não planejar, campeões em improvisar, criminosos no desperdiçar, tolerantes demais com o “depois eu faço”, cinicos no fazer de conta e o povo cansado de ouvir que “ ...  vai investigar as causas”.

O outrora Brasil rico em água, terras férteis, madeira, ferro, pedras preciosas, areias e um sem fim de recursos naturais, é empobrecido, a cada dia, reduzindo sua capacidade de estoque,  e comprometendo futuros empreendimentos, em pequena ou larga escala. Seja para produzir  panelas ou copos de vidro; ou  obras industriais gigantes, como a Usina de Belo Monte, o Projeto de Transposição das Águas do Velho, estádios de futebol, usina nuclear, estruturas modais de transporte, entre projetos, anunciados e não bem finalizadas por gestões públicas/privadas. O setor de transportes, em todos os modais: rodoviário, aeroportuário, aquaviário, portuário e dutoviário, é um dos setores que reflete problemas dessa falta de engrenagem. Virou rotina as noticias diárias sobre estatísticas com acidentes, provocados em todo o Brasil, por falta de manutenção e nas estradas, congestionadas por carros, carretas, caminhões, ônibus, noite e dia, de norte a sul do Brasil.

Obras de fachada

Como aceitar  um sistema economico montado sob projetos fictícios, inoperantes, ineficientes, usurpadores de recursos públicos? O Brasil se ressente de obras de infraestrutura importantes ao funcionamento da engrenagem produtiva eficiente.  Obras que possam  ser planejadas  passo a passo, com alicerces profundos, no enfretamento de desafios a curto, médio e longo prazos. A população tem sido penalizada no transporte público de massa que alivie uma malha viária travada, estressante, insegura. Problema que se coloca dependente de visão estratégica com políticas transversalizadas de fato, e não no discurso raso de uma sustentabilidade mascarada por peças publicitárias enganosas.
Nesse roteiro, poderíamos detalhar o foco e mostrar, ao mesmo tempo, em diversos lugares, sob diversos  ângulos, e de forma profunda, como funcionam, ou não, as etapas para a execução de obras mal planejadas. Talvez assim, num reality filme, sem palaque politico, possamos entender a distância entre um serviço mal executado, e a necessidade da população em ver uma planta, um desenho, um projeto, um discurso, uma foto bonita, tal qual exposta como promessa, funcionando, de fato, a contento, como direito cidadão.

Desconforto do povo


É injusto vermos o tempo avançar, em 10, 20, 30 anos, e observar que um Brasil gigante, potente, resistente, é empurrado à qualquer custo, em discurso deslocado da realidade, marqueteado em falso crescimento, revelado agora, em tal desordem interna. O paradoxo entre o que se diz, propaga, e o que se faz ou não, é evidente e perigoso, pois não tem garantido o funcionamento dos serviços, e faz é tempo. Vemos a população se manifestar sobre a desconfortante sensação de desconexão entre a velocidade da máquina do discurso , e a necessidade do fazer real, com qualidade e compromisso nas contrapartidas que o eleitor, o cidadão,  estão a esperar, na direção do real desenvolvimento,  como garantia de dlireitos.

Essa sensação de desconforto entre o discurso e a realidade aparece todo dia, nas filas de ônibus, corredores de hospitais, cadeias superlotadas de pobres, estradas esburacadas, escuras, inseguras, em tráfego constante, com altos índices de mortes por atropelamentos, alcoolismo,  índices elevados de analfabetismo funcional, desperdício de alimentos, e fome, sim, fome mesmo, e um sistema onde só se alardeia ganhos sociais.  As cidades estão inchadas, as periferias sem estruturas míninas de saneamento, sem ações preventivas, que  alimente uma complexa cadeia de garantia da saúde como sinônimo de Vida, conforto, segurança e inteligência no ambiente de moradia.

Riqueza desvalorizada


No país das matrizes limpas, naturais, estamos ainda na contramão da história mundial quando vemos países adotando politicas de eficiência energética , enquanto se desperdiça, desvaloriza,  matrizes limpas como água, vento, sol e tudo o que delas resultam como cultivo para a produção de energias alternativas, alinhadas aos desafios de baixo impacto de carbono. Poderíamos ter um modelo de produção agrícola que valorizasse e potencializasse a agricultura familiar, desvinculada dos grandes créditos do agronegócio, da monocultura de commodities, que manda para fora, exporta, tudo de bom e esquece a população interna, a que produz e cuida das nossas riquezas. Em comunidades tradicionais, onde povos como os quilombolas e indígenas cuidam da terra,  o que se produz é vendido para fora  numa política onde tradições se perdem em meio  à insegurança alimentar. Se raizes como a mandioca, por exemplo, fosse valorizada, de fato,  a própria comunidade  poderia estar comendo bolos, beijus, biscoitos, mingaus, cuscuz e mais de cem tipos de iguarias feitas a partir dessa rica e diversa planta/raiz e não estimulada a consumir salgadinhos quimicamente coloridos pra adoencer e não para se nutrir.


 São paradoxos assim que  travam o desenvolvimento, em nome de um falso e aparente  discurso de crescimento. A falta de investimentos, associada a uma cultura de desperdício, mau uso, corrupção, desvios e diversos outros desmandos administrativos, fortalecem cenários desarmoniosos no cotidiano dos brasileiros. È a riqueza do Brasil, historicamente, desvalorizada.


*Liliana Peixinho - Jornalista, ativista. Fundadora de mídias independentes como : REAJA -Rede Ativista de Jornalismo e Ambiente, Mídia Orgânica. Movimento AMA, Catadora de Sonhos

Saturday, March 19, 2016

CRIANÇAS, ENCANTOS E O FAZER LÚDICO

Meio Ambiente.bahia.ba
Publicado em 13/03/2016 às 07h00.

 Crianças, encantos e o fazer lúdico

Se a família ensina, dando o exemplo, mostrando, na prática, como funcionam os acertos, os erros são mais raros

Liliana Peixinho

criança parque
Foto: Liliana Peixinho

Tem uma propaganda no ar na qual uma criança lidera uma mobilização, a partir de uma sala de aula, para as ruas, chamando para limpar tudo, em todos os cantos, como uma festa, para acabar com os focos do mosquito rei do Brasil, na proposta de zika zero.  A campanha é muito linda e toca o telespectador porque passa “verdade” na forma e no conteúdo, para um fazer simples, necessário e, quem sabe, revolucionário em novos sentidos do ser. Essa campanha bem que poderia reforçar o olhar sobre as ações de prevenção, que é mesmo o grande remédio para qualquer mal, e que deve começar em casa, e se multiplicar na escola, trabalho, área de lazer e outros coletivos. Se a família ensina, dando o exemplo, mostrando, na prática, como funcionam os acertos, os erros são mais raros. Cuidar de plantas, observar as aves, arrumar os brinquedos, doar roupas, sapatos, livros, brinquedos. Praticar o respeito ao outro, são valores revolucionários, em meio aos desafios de vida, casa adentro e afora.
Se formos verificar a origem dos modos de ser, em consumo e descarte, por exemplo, podemos ver gente que deixa o prato de comida limpinho, em civilidade, educação. E gente que sempre deixa restos no prato, em gestos de “tô nem ai com o outro”. Gente que se incomoda e gente que faz a diferença, na prática da mudança. E que bom que isso já acontece entre nós. Quando ampliamos essa forma de ser, vemos resultados positivos entre quem cuida, e tem muito trabalho e disciplina com esse agir; e resultados negativos, com gente que engrossa os exemplos sujos, de desrespeito ao outro. Cabem aí escolhas entre mudar, e sair da famosa zona de conforto, para a civilidade. Ou continuar com os mesmos hábitos; conviver com a realidade diária de hospitais lotados de doentes, proliferando males, matando vidas, em cadeia desarmoniosas de ponta a ponta. Quando decidimos mudar, fazer diferente, sabemos que teremos mais trabalho e esse é o preço da vida em harmonia.

Quando decidimos mudar, sabemos

que teremos mais trabalho.

Esse é o preço da vida em harmonia

Vejamos: você está em um parque, com o seu filho, digamos, de quatro anos, e dá um picolé para ele. Se o parque estiver bem monitorado ambientalmente, com certeza, próximo ao local da venda do picolé deverá ter lixeiras. No parque de Pituaçu, em Salvador, por exemplo, há três tipos de lixeira: azul, para plástico; amarela, para metal, e verde, para papel. Fomos conferir como anda a educação do povo e, mais uma vez, nos decepcionamos. Apesar de estar escrito nas lixeiras o tipo de resíduo que deve ser ali depositado, em letras bem grandes e de forma bem destacada, a população não respeita, não tem o cuidado, não se dá ao dever de ser civilizado, e apenas colocar na cesta certa, o tipo de resíduo descrito. Por que não faz certo, se está ali, bem na frente, identificado? Uma educação familiar atenta, acompanha o filho terminar de chupar o picolé, e o ensina, desde cedo, a descartar a embalagem no cesto certo. Se não tiver uma lixeira por perto, ensina a guardar na bolsa, no bolso até encontrar.
As lixeiras e seus entornos são retratos do nosso ser. Como na Bahia e Brasil afora as lixeiras refletem o ser descuidado do brasileiro. O AMA, movimento criado em 1999, que trabalha desde sempre, de forma voluntária, e sem nenhuma garantia de alocação de recursos, convida você, leitor, a nos ajudar a continuar o projeto Por um Brasil Limpo. E, para isso, estamos ampliando os contatos para mostrar aos pais, tios, avós, professores, alunos, em suas casas e em ambientes como parques, jardins, praças públicas e outros espaços, públicos e privados, como é importante mostrar aos filhos, o mais cedo possível, que resíduo não é lixo e, se cuidado, pode entrar no que o AMA chama de LIXO ZERO em cadeia limpa de descarte. Tudo, cada coisa, cada objeto, tem um lugar certo para estar e tudo pode ser reutilizado, reformado, recriado, transformado, reutilizado, de forma a limpar nossas próprias vidas.
Se conseguirmos alcançar, em larga escala, essas mães, tias, irmãs, professoras e principalmente as crianças que estão próximas a elas, estaremos, aí, sim, cuidando e garantindo um futuro limpo, sem sujeira, sem desperdício, sem tantas doenças que podem ser evitadas. E, com civilidade, que a vida, planeta afora, está a nos exigir em cuidado com a nossa grande casa. Essa mudança de comportamento é bem mais fácil, prática e mais barata do que consertar erros que viram doenças crônicas, incuráveis, como a falta de consciência e respeito com o outro. Vamos mudar agora?
liliana campanha permanente desde 199 D zero camisa pretaLiliana Peixinho é jornalista, educadora, criadora da campanha: “Por um Brasil Limpo. – Desperdicio Zero = Lixo Zero = Saneamento 10”.  Especializada em jornalismo cientifico e tecnológico. Gestora de diversas midias independentes como Midia Orgânica, Reaja e Rama.