Liliana Peixinho *
Imagina uma lente de filmagem, gigante como o
Brasil, rastreando obras inacabadas, sucateadas, abandonadas, interrompidas,
embargadas, implodidas, superfaturadas, armengadas, como um cemitério de
dinheiro público, desperdiçado, jogado fora, em descaso, de norte a sul do
país. Um filme como retrato real de um jeito, muito estranho, irresponsável, em não planejar, em interromper, não finalizar,
executar com rigos, trabalhos iniciados, revelando um fazer descuidado,
criminoso mesmo com a vida do povo e com a fonte matriz produtora de tudo: a natureza. Somos
experts em não planejar, campeões em improvisar, criminosos no desperdiçar, tolerantes
demais com o “depois eu faço”, cinicos no fazer de conta e o povo cansado de
ouvir que “ ... vai investigar as causas”.
O outrora Brasil rico em água, terras
férteis, madeira, ferro, pedras preciosas, areias e um sem fim de recursos
naturais, é empobrecido, a cada dia, reduzindo sua capacidade de estoque, e comprometendo futuros empreendimentos, em
pequena ou larga escala. Seja para produzir panelas ou copos de vidro; ou obras industriais gigantes, como a Usina de
Belo Monte, o Projeto de Transposição das Águas do Velho, estádios de futebol, usina
nuclear, estruturas modais de transporte, entre projetos, anunciados e não bem
finalizadas por gestões públicas/privadas. O setor de transportes, em todos os
modais: rodoviário, aeroportuário, aquaviário, portuário e dutoviário, é um dos
setores que reflete problemas dessa falta de engrenagem. Virou rotina as
noticias diárias sobre estatísticas com acidentes, provocados em todo o Brasil,
por falta de manutenção e nas estradas, congestionadas por carros, carretas,
caminhões, ônibus, noite e dia, de norte a sul do Brasil.
Obras de fachada
Como aceitar um sistema economico montado sob projetos
fictícios, inoperantes, ineficientes, usurpadores de recursos públicos? O
Brasil se ressente de obras de infraestrutura importantes ao funcionamento da
engrenagem produtiva eficiente. Obras
que possam ser planejadas passo a passo, com alicerces profundos, no
enfretamento de desafios a curto, médio e longo prazos. A população tem sido
penalizada no transporte público de massa que alivie uma malha viária travada,
estressante, insegura. Problema que se coloca dependente de visão estratégica
com políticas transversalizadas de fato, e não no discurso raso de uma
sustentabilidade mascarada por peças publicitárias enganosas.
Nesse roteiro, poderíamos
detalhar o foco e mostrar, ao mesmo tempo, em diversos lugares, sob diversos ângulos, e de forma profunda, como funcionam,
ou não, as etapas para a execução de obras mal planejadas. Talvez assim, num
reality filme, sem palaque politico, possamos entender a distância entre um
serviço mal executado, e a necessidade da população em ver uma planta, um
desenho, um projeto, um discurso, uma foto bonita, tal qual exposta como
promessa, funcionando, de fato, a contento, como direito cidadão.
Desconforto do povo
É injusto vermos o tempo avançar,
em 10, 20, 30 anos, e observar que um Brasil gigante, potente, resistente, é empurrado
à qualquer custo, em discurso deslocado da realidade, marqueteado em falso
crescimento, revelado agora, em tal desordem interna. O paradoxo entre o que se
diz, propaga, e o que se faz ou não, é evidente e perigoso, pois não tem
garantido o funcionamento dos serviços, e faz é tempo. Vemos a população se
manifestar sobre a desconfortante sensação de desconexão entre a velocidade da
máquina do discurso , e a necessidade do fazer real, com qualidade e compromisso
nas contrapartidas que o eleitor, o cidadão, estão a esperar, na direção do real
desenvolvimento, como garantia de dlireitos.
Essa sensação de desconforto
entre o discurso e a realidade aparece todo dia, nas filas de ônibus,
corredores de hospitais, cadeias superlotadas de pobres, estradas esburacadas,
escuras, inseguras, em tráfego constante, com altos índices de mortes por
atropelamentos, alcoolismo, índices
elevados de analfabetismo funcional, desperdício de alimentos, e fome, sim,
fome mesmo, e um sistema onde só se alardeia ganhos sociais. As cidades estão inchadas, as periferias sem
estruturas míninas de saneamento, sem ações preventivas, que alimente uma complexa cadeia de garantia da
saúde como sinônimo de Vida, conforto, segurança e inteligência no ambiente de
moradia.
Riqueza desvalorizada
No país das matrizes limpas,
naturais, estamos ainda na contramão da história mundial quando vemos países
adotando politicas de eficiência energética , enquanto se desperdiça,
desvaloriza, matrizes limpas como água,
vento, sol e tudo o que delas resultam como cultivo para a produção de energias
alternativas, alinhadas aos desafios de baixo impacto de carbono. Poderíamos
ter um modelo de produção agrícola que valorizasse e potencializasse a
agricultura familiar, desvinculada dos grandes créditos do agronegócio, da
monocultura de commodities, que manda para fora, exporta, tudo de bom e esquece
a população interna, a que produz e cuida das nossas riquezas. Em comunidades
tradicionais, onde povos como os quilombolas e indígenas cuidam da terra, o que se produz é vendido para fora numa política onde tradições se perdem em
meio à insegurança alimentar. Se raizes
como a mandioca, por exemplo, fosse valorizada, de fato, a própria comunidade poderia estar comendo bolos, beijus,
biscoitos, mingaus, cuscuz e mais de cem tipos de iguarias feitas a partir dessa
rica e diversa planta/raiz e não estimulada a consumir salgadinhos quimicamente
coloridos pra adoencer e não para se nutrir.
São paradoxos assim que travam o desenvolvimento, em nome de um falso
e aparente discurso de crescimento. A
falta de investimentos, associada a uma cultura de desperdício, mau uso,
corrupção, desvios e diversos outros desmandos administrativos, fortalecem
cenários desarmoniosos no cotidiano dos brasileiros. È a riqueza do Brasil,
historicamente, desvalorizada.
*Liliana Peixinho - Jornalista,
ativista. Fundadora de mídias independentes como : REAJA -Rede Ativista de
Jornalismo e Ambiente, Mídia Orgânica. Movimento AMA, Catadora de Sonhos