Sunday, June 12, 2016

Velho discurso em novas plataformas

Publicado em 12/06/2016 às 06h00. Atualizado em 12/06/2016 às 09h30.

Velho discurso em novas plataformas

Ano eleitoral comprova o que já se sabe: nada mudou na política brasileira. O ranço do marketing político tradicional, agressivo e compressor, continua em vigor

Liliana Peixinho
voto politico
Imagem ilustrativa (Ilustração: Blog Voto Zero)

Mesmo com a falta de credibilidade dos partidos, no Brasil, impressiona o apelo de programas pagos em horário nobre em mídias de largo alcance como televisão e rádio. Os parlamentares e representantes de legendas tratam o serviço como um negócio e tentam seduzir “clientes” em linguagem ultrapassada, destaque para dados sobre o número de municípios e estados onde estão representados, em discurso, insosso, cínico, cara de pau e sem novidades. A agonia da mensagem é revelada em leituras mal feitas de textos produzidos pelo marketing político de cada legenda, que, embora muitas, centenas, o discurso tem o mesmo formato. E fico aqui pensando que tipo de eleitor ainda se deixar enganar, acreditar, em discursos tão rasos! E porque nós, eleitores, ainda somos obrigados, direta ou indiretamente, a pagar caro, por uma audiência imposta, no automático.
Fiz uma pesquisa entre amigos, familiares e conhecidos, para saber quem desliga a TV, por exemplo, durante a exposição desses programas, diluídos ao longo de todo o ano. De 50 pessoas contatadas somente três disseram que desligam a TV e a quase totalidade disse que por estar na frente do televisor, não se esforça para desligar a TV. Dessas pessoas, 20 têm TV a cabo, condição que até os fariam esquecer outras programações, em canal aberto, e mudar a programação. O que poucos o fazem. A maior parte disse que deixa a TV ligada, mas sai do sofá para fazer outra coisa: ir ao banheiro, à cozinha, fazer uma ligação telefônica, preparar uma merenda, para não perder a programação que se preparou para assistir, seja um jornal, uma novela, um programa de entretenimento. Dos que veem a programação partidária, a maioria disse que gosta de ver para poder dar risada ou mesmo criticar o discurso dos candidatos, do partido, seja qual for a legenda.

Não há nada de novo em quem defende

discursos velhos como novas políticas


Em ano de eleição, e com tanta falta de credibilidade dos partidos e dos políticos, fico a pensar o que novos partidos, surgidos sempre em rastros de outros, por decepção, por busca de espaço ou mesmo por disputa de novos discursos, podem fazer, de fato, para não repetir erros que estão a combater, em vícios históricos, como a cata de eleitores, filiados, militantes! E o que pensam e querem essas pessoas, sobre as legendas que carregarão nas costas, na cabeça, no ombro, na mente e até no coração, como dizem alguns por ai? Uns pagos para isso, outros pagando o que não têm querer acreditar que o voto é direito sagrado e que não pode ser jogado fora, vendido, negociado, trocado como moeda eleitoral.
Vemos alguns partidos, antes chamados de nanicos, ganharem força, visibilidade e representação, Brasil afora. O caminho tem sido o mesmo, baseado em práticas de antigas legendas, onde fisiologismo, panelinhas, puxa-saquismo e brigas cínicas estressam os espaços por disputa de apoios às candidaturas que defendem, por amizade ou profissionalismo. Não vejo nada de novo em quem defende discursos velhos, como novas políticas. O ranço do marketing político tradicional, agressivo e compressor, continua em vigor. E, se acham que tem funcionado para os velhos objetivos, por que mudar? Será que o eleitor está mesmo exigente para discernir entre quem, como, o que quer, e precisa acreditar, para justificar suas escolhas de representação?
Tenho visto um movimento, nesse mercado, que ganha força, em novas formas de captação de recursos, via plataformas crowndfunding, financiamento coletivo de projetos, ações, para dar cara nova, ao velho fazer de conta.  Os mecanismos até são novidade para um país com sujeira histórica entre campanhas e financiadores delas. As velhas formas de viabilizar o discurso continuam a consumir tempo, recursos e paciência, para encarar palestras, participar de eventos de formação política, com discursos velhos, em cara travestida de nomes robustos, generalistas, nos quais análises de conjuntura política, cenários, problemas e desafios, continuam na pauta. Mas, sem apontar caminhos que realmente incluam os que, desconfiados, ficaram traumatizados, decepcionados, escaldados de novos discursos, para velhas práticas. E tem é gente desmotivada a se mobilizar, para participar de plenárias, cenários sedentos de poder e ego espelhados em selfies rasas, Brasil afora. E ainda bem! Quem sabe o “não” abra espaço para o “talvez”!
liliana campanha permanente desde 199 D zero camisa pretaLiliana Peixinho – Jornalista, ativista, autora de “Por um Brasil Limpo”, Fundadora da Rede Ativista de Jornalismo e Ambiente (Reaja), Movimento Amigos do Meio Ambiente (ama), Mídia Orgânica e outras mídias alternativas. Especializada em Jornalismo Científico e Tecnológico. Vencedora do Prêmio Shift – Agentes Transformadores – 2015.
TEMAS: Brasil , decepção , eleição

Wednesday, June 08, 2016

O sujo no verde

Publicado em 05/06/2016 às 08h00.

O sujo sob o verde

Ativistas precisam estar atentos: eventos em defesa do meio ambiente jamais deveriam ter patrocínio de organizações sem compromisso com a vida

Liliana Peixinho
meio ambiente
Imagem ilustrativa (Foto: Site Mente Livre)

Como jornalista, ambientalista, ativista, pesquisadora, cobrindo grandes eventos sobre meio ambiente, Bahia e Brasil afora, anos e anos fazendo isso, não foram poucas as vezes que me indispus com a organização ao questionar sobre, por exemplo, como um congresso, um evento X qualquer, pode receber recursos, ser patrocinado, em parcerias com governo, empresas e instituições, que a própria pauta do evento está a combater?
A enxurrada de eventos, encontros, seminários, exposições, que se realiza durante esse período de junho, na chamada “Semana do Meio Ambiente”, assim como em outras datas convencionadas pelo mercado capital, não tem se mostrado coerente, sensata, com os desafios  que o cuidado com a vida está a nos exigir. Observamos um sem número de ONGs, institutos, associações, caras jurídicas diversas, usando seus CNPJs para captar recursos volumosos em nome de um evento, que, por si só, será suficiente para consolidar uma imagem que seduza o capital, apressado, em sucessivos apoios.
Esse caminho tem sido adotado, há anos, para um fazer de conta que faz, em marketing agressivo e eficiente para o capital, o “greenwashing”, pintado de verde por fora, mas sujo, muito sujo por dentro. Basta uma pasta bonitinha, com logomarca, recheada com um projeto bem apresentado visualmente, propostas para inserção de marcas, nomes das empresas, logomarcas, em peças publicitárias sedutoras de empoderamento, visibilidade na mídia, algumas fotos de registro de eventos anteriores, para conseguir recursos dos mais variados: desde passagens de avião, refeições em restaurantes caros, traslados profissionais de aeroporto para hotel, do hotel para o local do evento, e outros mimos, brindes, passeios turísticos em locais paradisíacos – em abundância Brasil afora – e até, quem sabe, contratos de parcerias, consultorias, assessorias.

Faz de conta com dinheiro

público deveria ser crime

Não importa muito o que se falou, o que se ouviu, o que foi pactuado, registrado, acordado como saída para os problemas abordados na programação, seja de forma rasa, ou até profunda, como alguns palestrantes sérios se propõem a expor em público. Mais importante que as respostas, em eventos  onde se abre espaço para a plateia, são as perguntas. Porque estão nelas, o melhor no microfone, a oportunidade de alguém fazer o seu registro para as lentes de fotógrafos, videomakers, repórteres, assessores e sistematizadores de relatórios. Material de memória que servirá para alimentar futuros eventos.
Nada contra a realização de eventos. Desde que o volume de recursos, esforços, estrutura, logística, megaproduções, que tem sido utilizado, ao longo do tempo, pudessem realmente compensar tanto esforço, em nome da pauta. Infelizmente, o que vemos são demandas reprimidas históricas. E o que se capta, capitaliza, gasta, desperdiça, investe, em nome disso, ou daquilo – os focos são diversos e variados, como os problemas – pudessem, finalmente, sinalizar caminhos limpos, para um Brasil tão sujo, de forma literal e politicamente apresentado.
Em nome de democracia,  liberdade, livre mercado, parcerias, isso e aquilo, o que vemos por aí é muito cinismo criminoso, muita omissão, cumplicidade e “tô nem aí” desde que “meu pirão primeiro.” Se os investimentos feitos em nome do greenwashing fossem revertidos, aplicados em nome do que se está a propagar, publicizar, visibilizar, a vida não estaria tão doente, como vemos, todos os dias, nas reportagens sobre gente dormindo em filas para tentar marcar um exame para meses e meses depois.  Se continuarmos aceitando sujeiras aqui ou acolá, em pequena ou larga escala, seja na administração de um condomínio, ou na presidência de um país, continuaremos sem saúde, saneamento, educação, moradia, segurança, só para ficar no básico. Faz de conta com dinheiro público, por exemplo, deveria ser crime.
liliana campanha permanente desde 199 D zero camisa pretaLiliana Peixinho  é jornalista, ativista, fundadora da Rede de Ativismo em Jornalismo e Ambiente (Reaja), movimento Amigos do Meio Ambiente (AMA), Mídia Orgânica, e outras mídias alternativas. Especializada em Jornalismo Científico e Tecnológico.

TEMAS: meio ambiente , prática , teoria

Solenidade e desemprego

Publicado em 29/05/2016 às 07h00.

Solenidade e desemprego

Em plena festa de colação de grau, formandos publicam selfies chamando a atenção para a falta de emprego

Liliana Peixinho

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Imagem ilustrativa / Reprodução (internet)

A família madruga para chegar ao trabalho em transporte desumano, não consegue acessar recursos de financiamento público universitário, passa o maior sufoco para tentar pagar contas básicas de luz, condomínio, água, supermercado, engana o estômago com porcarias, em correria na rua, faz o maior sacrifício para pagar as mensalidades da solenidade de formatura do filho, como um sonho, e no dia da festa de gala, os formandos publicam selfies nas redes sociais cuja legenda ironiza a disputa de espaço, na foto, como recém-formados em cenário de desemprego.
Ao ler uma legenda assim, descrita por um grupo de formandos antenados na realidade social brasileira sobre incapacidade do país em acolher novos profissionais, senti tristeza por, depois de anos acompanhando histórias de vidas dedicadas a sonhos, vê-las agora, interrompidas pela onda de desemprego crescente. Se para um jovem, de 23, 24 anos, é uma realização a formatura como símbolo de perspectiva para novos horizontes de vida, espaço para aplicação dos conhecimentos adquiridos em dedicação aos estudos; o trabalho, o emprego, a remuneração pelo desempenho da atividade, deveria ser garantia, como recompensa aos anos de dedicação e investimentos financeiros na formação profissional. Mas o sonho virou pesadelo.
Exatamente porque é entre os jovens que a escalada de desemprego faz o maior estrago, que a tristeza aumenta. E a gravidade, conforme análises de  especialistas, é que esse cenário pode deixar, em alguns anos, um grupo de pessoas sem trabalho, e sem experiência, para conquistar espaços adequados às suas qualificações e aspirações. Assim vemos por ai fisioterapeutas que tentam vender roupas; economistas em atendimentos call center; psicólogos em disputas de espaços em táxis, administradores que empreendem em food-trucker, e um sem-fim de desafios em arranjos criativos sem nenhuma garantia de sustentação num mercado abalado, sem credibilidade.

A taxa de desocupação entre jovens de 18 a 24 anos foi a que mais cresceu entre os grupos etários


Embora o desemprego entre os jovens sempre apresentem taxas mais altas que em outros grupos, o que surpreende é a velocidade apresentada em cenários mais recentes. Informação dá conta que  “O salto na taxa de desemprego nessa faixa etária foi de 4,7 pontos percentuais em relação a 2014, enquanto a média geral da população das grandes metrópoles foi de dois pontos percentuais”. A taxa de desocupação entre jovens de 18 a 24 anos, segundo dados do IBGE, ficou em 16,8 em 2015, e foi a que mais cresceu entre os grupos etários. Dados preocupantes num cenário político econômico que brada por mudanças e faz é tempo. Essa garotada sedenta por justiça social e vontade em trabalhar e contribuir para um Brasil justo, não merece entrar para a história como uma “geração perdida”.
Hellen, Icaro, Juliana, Bianca,Thais, Milena, Veronica, Harrisson e tantos outros jovens profissionais, olha, o mundo, quem sabe, dará boas voltas e em nome dos esforços despendidos por cada um possamos ter esperanças para as atuações que vocês querem e precisam realizar. Saibam que vocês nâo estão sozinhos e muitos profissionais qualificados, experientes, super graduados, estão por aí, diversificando atividades pra driblar os efeitos de uma crise que. tenham certeza, cada um de nós teve a sua contribuição ao escolher,  acreditar e votar em promessas de representantes não cumpridores de suas palavras. E que a realidade nos sirva de exemplo para ver que rumos queremos dar a gerações que, como a de vocês, não se sintam perdidas, sem representação nos ambientes de decisões do país.

liliana campanha permanente desde 199 D zero camisa pretaLiliana Peixinho  é jornalista, ativista, fundadora da Rede de Ativismo em Jornalismo e Ambiente (Reaja), movimento Amigos do Meio Ambiente (AMA), Mídia Orgânica, e outras mídias alternativas. Especializada em Jornalismo Científico e Tecnológico.