OLHAR TRANSVERSAL SOBRE MÍDIAS COLABORATIVAS
ATIVISMO JORNALÍSTICO AMBIENTAL x DISCURSO “MARKETEIRO” INSUSTENTÁVEL
Liliana Sampaio de Almeida Peixinho
Trabalho apresentado como exigência parcial para obtenção do
título de Especialista em Jornalismo Científico e Tecnológico,
Curso de Especialização em Jornalismo Científico e
Tecnológico, FACOM-UFBA.
Salvador, Bahia, Brasil, Junho de 2012
Introdução ............................................................................................................................ 03
Jornalismo colaborativo no contexto dos desafios cotidianos............................................04
Conexões, pesquisas e elos de entraves ............................................................................... 06
Ativismo ambiental em redes sociais ................................................................................... 07
Ciência para que, para quem e por que? ............................................................................ 08
Paradoxos múltiplos no campo investigativo .................................................................... 09
Mídia especializada e sustentabilidade............................................................................... 11
Discurso paradoxal ............................................................................................................. 12
Desafios e compromissos do repórter ..................................................................................12
Contribuição do jornalista especializado .......................................................................... 13
Indústria da seca e elos no paradoxo sustentável ............................................................... 16
Imprensa não fecha o ciclo da denúncia ............................................................................. 17
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Desconexões com a realidade ............................................................................................... 17
Miséria é denunciada, mas não passa disso ........................................................................ 18
Reflexões .................................................................................................................................18
Bibliografia .............................................................................................................................19
OLHAR TRANSVERSAL SOBRE MÍDIAS COLABORATIVAS
ATIVISMO JORNALÍSTICO AMBIENTAL x DISCURSO “MARKETEIRO” INSUSTENTÁVEL
Liliana Sampaio de Almeida Peixinho
Sustentável?!! [...] Nós, jornalistas, temos
obrigação de mostrar, denunciar com coragem,
responsabilidade, porque projetos ditos
sustentáveis não o são de fato. A. Trigueiro
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Introdução
Uma comunicação alternativa, especializada em meio ambiente, sem espaço na mídia
tradicional, toma forma e ganha espaço nos anos 1990-2000. Em ambiente livre,
investigativo, com articulação e mobilização, essa comunicação demanda olhar transversal
sobre ambientes onde a vida se desenvolve. Ciência, educação, economia, cultura, política,
segurança, cotidiano conversam entre si, em sintonia convergente. Esta reflexão apresenta
confluência a demandas ambientais reprimidas na grande mídia, coorporativa, cujos interesses
divergem dos espaços buscados pelo ativismo jornalístico ambiental. Proativismo aqui
identificado numa comunicação colaborativa que se fortalece em meio a publicações como
Folha do Meio Ambiente (Brasília, DF), Envolverde (São Paulo, SP), Portal do Meio
Ambiente e Revista Rebia (Rio de Janeiro, RJ), Roteiro de Lavras (Lavras, MG), Jornal
Litoral Norte e Cabula Verde (Salvador, BA), MMS (São Paulo, SP), Casas, RBJA, RBJC,
Rebea, Rebeca, Mercado Ético, Rama, AMA, Instituto Akatu, Instituto Ethos e dezenas de
outros coletivos em rede.
Produções que se retroalimentam para fortalecer o jornalismo ambiental e científico
colaborativo praticado em movimentos livres, numa sociedade civil organizada, por meio de
acolhimento, visibilidade e credibilidade, escoados em ambientes midiáticos virtuais. São
iniciativas observadas em todo o Brasil, com elos interativos locais e planetários, realizadas
por ativistas, educadores, artistas, correspondentes, moderadores e colaboradores, que
produzem, investigam e divulgam informações de forma contínua, sem vínculos ou amarras
econômicas. Com este olhar, esta reflexão mergulha em campo aberto para reconhecer
publicações socioambientais observadas, clipadas e sistematizadas entre 1980 e 2012 pelos
movimentos AMA (Amigos do Meio Ambiente) e Rama (Rede de Articulação e Mobilização
em Comunicação Ambiental), coordenados pela jornalista e ativista Liliana Peixinho e
disponibilizados no e-book Olhar Transversal sobre a Mídia. (PEIXINHO, 2012)
Contribuir para a prática de uma comunicação contextualizada em micro e
macroambientes, na busca da informação como instrumento de construção da cidadania
sustentável, motiva os objetivos desse esforço na identificação de iniciativas de jornalismo
colaborativo, ativista, e seus desafios como mídias comprometidas com o fortalecimento do
papel social do jornalismo ambiental e científico como instrumento de apoderamento popular,
democrático, da informação, com rigor ético e apuração de valor, na cadeia de produção e
publicação.
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Segue nesse propósito para verificar como jornalistas trabalham, focam, pautam,
escrevem e divulgam temas onde comunidades tradicionais e sua relação estreita com a
preservação da biodiversidade e da identidade brasileira reforcem conexões cidadãs. Propõe,
assim, uma reflexão na perspectiva de que a divulgação de informações pelo jornalismo
ambiental e científico se efetive para a democratização e socialização da ciência e tecnologia
(C&T) como instrumento de poder, transformação e acesso livre a informação de qualidade.
E, com este compromisso, resgatar e promover a riqueza biodiversa em ambientes
degradados, explorados, sem contrapartidas sustentáveis, harmoniosas.
Jornalismo colaborativo no contexto dos desafios cotidianos
Uma nova ordem mundial está colocada para cada cidadão, planeta Terra adentro.
Promover o bem-estar de quem produz, de quem consome, e garantir a conservação da matriz
natural, revela-se desafiador. Onde e como o jornalismo ambiental colaborativo se insere
nesse contexto? Para responder, consideramos, neste trabalho, ser mais importante que
quantificar, ser sensacionalista ou alardear os efeitos negativos provocados pela ação humana
nos ambientes de convivência, em meio às catástrofes, descuidos, desperdícios, gestões
ineficientes, mostrar que está faltando ao ser humano entender, interiorizar, absorver, no
coração, na alma e no cérebro, que a felicidade de ser, existir, viver, pode estar na busca do
encontro com o outro, do meu para o nosso. Solidariedade, voluntariado, ativismo cidadão,
altruísmo, são palavras fundamentais neste cenário. Mais do que consumo por status,
civilizado deve ser usar por necessidade de preservar a vida, em risco diário.
Nos últimos 25, 30 anos, a mídia, de modo geral, tem pautado a questão ambiental de
forma quantitativa. No entanto, o caráter alarmista, sensacionalista e catastrófico, tem
superado o compromisso com informações qualitativas, preventivas, educativas, diante dos
desafios impostos pelas mudanças e adaptações necessárias à preservação da vida, num
planeta em constante mutação. A conferência mundial Rio+20 (ONU, 2012), realizada pela
Organização das Nações Unidas (ONU), foi muito criticada pelos movimentos livres da
sociedade civil, como a Cúpula dos Povos na Rio+20, (BRASIL, 2012) diante de propostas
focadas em “economia verde”, “mercado verde”, fora de sintonia com os desafios históricos
da humanidade, como o combate à fome, à pobreza e ao desperdício, junto com a preservação
de recursos naturais. O conceito “sustentabilidade” está em xeque, diante da necessidade de
ações reais para conteúdos ligados a preservar, resgatar, reconhecer e promover a vida, de
forma integral e contextualizada. Valor que requer compromisso com modelos de
desenvolvimento que não sejam “ecologicamente predatórios, socialmente perversos e
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politicamente injustos”, (ONU, 1992) conforme descrição da ONU para o conceito, durante a
Conferência Internacional sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio 92.
Na cadeia de valor da vida, e não do conceito como marketing vazio, a informação
transversal, sustentável, quer aprofundar o olhar sobre os diversos processos produtivos que
envolvem investigação, sistematização e divulgação de notícias, fatos e opiniões que
percebem meio ambiente como espaço aberto, plural, diversificado. No livro Jornalismo
Científico e Desenvolvimento Sustentável, de Cilene Victor, Graça Caldas e Simone
Bortoliero, as pesquisadoras, professoras do primeiro curso de jornalismo científico e
tecnológico da Bahia, implantado pela Faculdade de Comunicação da Universidade Federal
da Bahia (Facom-UFBA) reforçam a tese de que “meio ambiente é o complexo de relações,
condições e influências que permitem a criação e a sustentação da vida em todas as suas
formas”. Complexidade interativa justificada no argumento de que meio ambiente “não se
limita apenas ao chamado meio físico ou biológico (solo, clima, ar, flores, fauna, recursos
hídricos, energia, nutrientes, etc.), mas inclui as interações sociais, a cultura e as
expressões/manifestações que garantem a sobrevivência humana (em política, economia,
etc.)”. (BUENO apud VICTOR; CALDAS; BORTOLIERO, 2009, p.103)
Referências citadas para a defesa de um jornalismo ambiental com ações conjuntas,
transversais e contextualizadas nos desafios de produção e consumo de forma harmoniosa.
Jornalismo com informações que valorizem a formação de cadeias produtivas de ponta a
ponta, da fonte ao leitor, para o desenvolvimento sustentável. O e-book Olhar Transversal
sobre a Mídia, um dos produtos apresentados no final do curso de jornalismo científico e
tecnológico da Facom-UFBA, condensa publicações com esse foco.
Nesse contexto de aprofundamento de valor da informação, destacamos pesquisas realizadas
pelo professor Wilson da Costa Bueno sobre o conceito de desenvolvimento sustentável,
explicitado em 1987 pelo Relatório Brundtland, sob a responsabilidade da Comissão Mundial
de Meio Ambiente da ONU, instituída pela Assembleia Geral das Nações Unidas: “Ao longo
desses 25 anos, ele tem sido apropriado por governos, empresas e entidades, que o
contemplam a partir de interesses empresariais ou políticos, muitas vezes com objetivo para
legitimar ações e posturas nem sempre adequadas ou éticas” (BUENO, 2008). A análise de
Bueno aprofunda o debate entre comunicação e sustentabilidade e expande a crítica sobre
“uma visão reducionista, comprometida com uma perspectiva meramente econômica, quando
difundiu uma acepção equivocada do conceito de desenvolvimento, que acabou sendo
confundido com o de crescimento econômico” (ibidem). Visão estreita que tem merecido a
crítica severa de especialistas, notadamente daqueles que insistem em pensar o
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desenvolvimento de maneira mais abrangente, como José Eli da Veiga (2007), Boaventura
Santos (2005), Celso Furtado (1996) e outros incomodados com a sua redução a indicadores
econômicos como o PIB (Produto Interno Bruto), que, além de não resgatarem a integridade
do conceito, o desvirtuam.
Conexões, pesquisas e elos de entraves
Desse olhar surgem percepções sobre a conexão que podemos estabelecer entre
pesquisa, inovação, jornalismo científico e sustentabilidade, de forma transversal. O discurso
exposto na mídia por consultores e especialistas parece desconectado da realidade, na qual
projetos ditos sustentáveis maquiam cenários frágeis, diante do que, como, quanto, onde e
para quem se produz.
No artigo Pesquisa, Inovação e Jornalismo Científico, o professor Wilson da Costa
Bueno reforça esse enlace político-econômico quando expõe, com propriedade, que o
pesquisador brasileiro é competente, que há centros de excelência em C&T em nosso país,
grupos de pesquisa ativos e que se inserem “magnificamente” no cenário internacional, mas
que “estamos ainda muito distantes do ideal”. (BUENO, 2012) Responde, também,
questionamentos sobre quais as razões que justificam esse quadro: “Muitas, infelizmente. Em
primeiro lugar, porque, no fundo, o incentivo à pesquisa, e sobretudo à inovação no Brasil, é
assistemático e está à mercê de autoridades que, sem foco, sem política efetiva (apesar do
discurso e de ações meramente midiáticas), não conseguem criar um ambiente favorável a
médio e longo prazos”. (BUENO, 2012) Destaca que pesquisa “precisa de tempo, de
maturação, planejamento, capacitação permanente e, é lógico, precisa de recursos”. (ibidem)
No nosso papel aqui, de focar a distância entre o que se diz que faz, o que se faz, e o que
realmente não tem sido feito, necessário se faz reforçar os argumentos do pesquisador Wilson
da Costa Bueno, como umas das referências de nossos estudos, quando diz: “Apesar de os
governos proclamarem a inovação como uma necessidade, uma prioridade, na prática isto está
longe de acontecer. As dificuldades interpostas pelos governos ao investimento das empresas
privadas em pesquisa e desenvolvimento (P&D) são enormes e incluem custos de
financiamento elevados, alta carga tributária, juros que tocam as nuvens, burocracia obscena e
por aí vai. As empresas públicas de pesquisa recorrentemente estão às voltas com crises,
salários baixos para pesquisadores e corpo técnico, e muitas vezes se tornam reféns de
decisões políticas que travam o processo de investigação”. (ibidem)
Estaria aí, nesse modelo perverso de relações de poder, corajosamente exposto por
Bueno, (ibidem) a origem de alguns entraves sociais, ao se perceber que no setor empresarial
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identifica-se resistências para mudanças de práticas atreladas ao modelo de desenvolvimento
pós-Revolução Industrial, no qual o crescimento a qualquer custo é confundido com
desenvolvimento e sustentabilidade? O jornalista Ricardo Voltolini, criador da Plataforma
Liderança Sustentável, difundida a partir de 2010 em ambientes corporativos em todo o Brasil
e fora dele, pode nos responder quando argumenta: “Não dá mais para articular
unilateralmente e vender um discurso bonito e conveniente de preocupações socioambientais,
sem antes resolver os dilemas e contradições intrínsecos aos negócios, justamente os que
insistem em puxar a corda no sentido contrário. Antes, é preciso fazer a lição de casa. E bem
feita. A sociedade está mais atenta. E as organizações que a defendem, muito mais on guard”.
(VOLTOLINI, 2011a)
Na Plataforma Liderança Sustentável, Voltolini promove a visão integrada de gestão
em ambientes corporativos, com a aceitação de quem mais tem resistido em promover
mudanças que possam garantir a sustentabilidade de fato: as organizações empresariais. Por
meio de palestras realizadas em diversos estados do Brasil e no exterior, Voltolini usa
depoimentos de lideranças empresariais de peso em ações socioambientais, para formar novos
valores, com os quais a liderança horizontalizada, com “ecosofia”, pode chegar a ações
sustentáveis. A ousadia em inovar no meio corporativo credenciou Voltolini para expor, em
suas palestras, a diferença entre greenwashing e sustentabilidade real. Desafio que merece
atenção no acompanhamento da Plataforma Liderança Sustentável.
Ativismo ambiental em redes sociais
As mídias livres ocupam, com velocidade tecnológica, espaços democráticos,
interativos, construídos a partir de ações individuais para coletivas, em redes. O exercício
dessa comunicação interativa ganha força em ações colaborativas, voluntárias, proativas,
articulada em redes, proporcionadas pela internet, em ferramentas móveis, como celulares,
tablets, lap tops, filmadoras. São tecnologias que fortalecem mobilizações populares de
insatisfação social local, como em Salvador, Bahia, com os movimentos Avança Salvador,
Movimento Amigos do Meio Ambiente, Desocupa, Xô Corrupção, Rama, UFB@migos,
Jornalistas com Letra Maiúscula, Pérolas da Mídia, dentre outros. Ou no Brasil e mundo
afora, como a Primavera Árabe, os Indignados, Veta Dilma, Seca no Nordeste, Ficha Limpa.
Movimentos horizontalizados em redes sociais, que pautam, investigam e compartilham
informações para o enfretamento dos regimes do Norte da África, ditaduras das finanças na
Europa, capitalismo norte-americano, manifestações contra corrupção no Brasil e outros
países, até dicas e receitas domésticas contra o desperdício de alimentos, água, energia,
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reaproveitamento de resíduos, com arte, geração de renda, inclusão, cidadania. Ativismos que
amadurecem movimentos sociais e fazem surgir novas formas de comunicação espontânea,
livre, que fortalecem manifestações contra problemas históricos: injustiça, desemprego, fome,
violência, insegurança, desigualdade. O movimento por uma mídia livre, por exemplo, tem
forma, força e poder, pauta, discute e abre espaços em agendas planetárias, como a Cúpula
dos Povos na Rio+20. (BRASIL, 2012)
O papel da ciência, do jornalismo científico e ambiental no processo de
democratização da informação, é reforçado com essas interações em redes virtuais, geradoras
de manifestações populares no contexto insustentável da política macroeconômica e dos elos
entre ciência e poder. Esta interação pode transitar entre superficialidade, sensacionalismo ou
compromisso com a informação. Em sua página no Facebook, o professor Wilson da Costa
Bueno revela essa liberdade de uso, e tanto pode postar a foto do casamento de sua filha,
como valor familiar, como publicar notícia “bomba”, que compartilho aqui, sobre as relações
de poder entre ciência e capital financeiro, vindas por meio da replicação, em post coment, da
denúncia feita no artigo Silêncio Ensurdecedor: a Corrupção Acadêmica Existe, escrito por
Charles Ferguson, publicado na caderno Ilustríssima do jornal Folha de S.Paulo e
originalmente no jornal britânico The Guardian, no qual o autor revela a relação entre a área
acadêmica e os grandes interesses privados. Wilson analisa o texto dizendo: "Meia dúzia de
firmas de consultoria, vários birôs de palestrantes e diversos grupos de lobby de setores
diferentes mantêm grandes redes de acadêmicos de aluguel, com o objetivo de defender os
interesses desses grupos em discussões sobre políticas e regulamentação".
Ciência para que, para quem e por que?
O criador do curso de jornalismo ambiental da PUC-RJ, autor dos livros Mundo
Sustentável - Abrindo Espaço na Mídia para um Planeta em Transformação, Meio Ambiente
no Século 21 e Espiritismo e Ecologia, André Trigueiro, responde indagação da repórter
Liliana Peixinho, em entrevista para a Rede de Articulação e Mobilização em Comunicação
Ambiental (Rama), em dezembro de 2010: “Temos uma ciência, que, por vias não lineares,
ajuda a gente, ou a humanidade, a prestar mais atenção no valor do meio ambiente, da
natureza. Vamos dar o exemplo da Conferência de Nagoya, em que, pela primeira vez, se
apresentou um estudo valorando os serviços ambientais”. Trigueiro pontua a questão,
objetivamente, quando questiona: “Quem fez esse estudo estava interessado em quê? Em
sensibilizar empresários para que corroborassem a favor de um tratado internacional, em que
se realizasse um movimento em favor da retirada sustentável dos recursos, respeitando a
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capacidade de suporte dos ecossistemas. Então, é preciso que cada um, com suas ferramentas
metodológicas, com sua visão de mundo, possa contribuir para um novo modelo de
desenvolvimento, que é o que interessa”. (PEIXINHO, 2010)
Paradoxos múltiplos no campo investigativo
No ativismo jornalístico ambiental, observamos desafios em campo, com paradoxos
múltiplos entre o discurso e a realidade cotidiana, no próprio campo da comunicação.
Importante trazermos aqui, neste contexto, a reconstrução de valores para a preservação da
vida em ambientes fragilizados, identificados na cidade de Salvador, no Estado da Bahia, e
nas regiões Nordeste e Norte do Brasil. Urgente também é focar problemas sérios como o da
pior seca dos últimos 40 anos de forma contextualizada. A imprensa corporativa não
aprofunda os efeitos negativos da seca na Bahia em 2012, ligados a conceitos sobre
comunidades tradicionais como multiplicidade de comportamentos, línguas, etnias, saberes e
modos de vida presentes na singularidade multicultural brasileira. Conceito que apesar do
reconhecimento legal, em fevereiro de 2007, com a Política Nacional de Desenvolvimento
Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais (BRASIL, 2007), parece não ter se
efetivado, de fato, junto aos povos que resistem, sofrem e morrem para manter tradições. Ao
se observar como vivem alguns coletivos em comunidades das regiões Norte e Nordeste, em
zonas rurais, e até nos grandes centros e cinturões urbanos de grande concentração de miséria,
em campo jornalístico investigativo voluntário e livre, como dos movimentos AMA e Rama,
constatamos que a foto bonita, do marketing sustentável vazio, empresarial e governamental,
não cai bem com a realidade local, nativa. Evidências que fortalecem o paradoxo entre o que
se publica como sustentável e o que se vê no cotidiano das ruas, escolas, hospitais,
residências, estradas, trânsito, como literalmente insustentável.
O campo investigativo é o ambiente de trabalho gerador de informações. Trago aqui
descobertas que fiz durante as aulas do curso de jornalismo científico, na disciplina história da
ciência, ministrada pelo professor Olival Freire, para demonstrar a importância desse processo
no exemplo do pesquisador Charles David Keeling, pioneiro em estudos sobre mudanças
climáticas, que gostava de experiências químicas ao ar livre. Suas atitudes causaram uma
revolução no pós-doutorado do Instituto Tecnológico da Califórnia, Estados Unidos, no anos
1950, ao relacionar fatores externos, de campo aberto, com experiências laboratoriais,
fechadas. “Como gostava da vida ao ar livre, terminou se envolvendo com trabalhos que
deveriam ser conduzidos do lado de fora do laboratório. Seu obstinado trabalho de
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monitoramento ao ar livre foi logo reconhecido, tornando-se algo muito maior e mais
importante do que todas aquelas baboseiras comerciais que detestava”. (COSTA, 2005)
Keeling, ou Dave, como carinhosamente era tratado – assim como Fritjof Capra, Wilson da
Costa Bueno, André Trigueiro, Dal Marcondes, Vilmar Berna, Silvestre Gorgulho, Simone
Bortoliero, Washington Novaes, Cilene Victor –, ousa defender o ambiente, a vida, as
pessoas, e tudo que nos cerca, de uma forma cuidadosa, detalhada, onde tudo tem a ver com
tudo, de forma transversal, integrada. O papel da comunicação é discutido como instrumento
de poder e construção da cidadania. Nesse contexto André Trigueiro (PEIXINHO, 2010), diz:
“Não há problema mais delicado para o meio ambiente, hoje, que o da comunicação. Só ela
pode retirar as chamadas questões ambientais do gueto em que estão colocadas (fazendo de
conta que são isoladas, apartadas) e levar a sociedade a entender que todas as ações humanas
têm impactos sobre o concreto – a água, o solo, o ar, os seres vivos”. Concordando com
Trigueiro, reforçamos a tese de que tudo o que se relaciona com o meio ambiente precisa
permear qualquer discussão econômica, política, social, ambiental. Em todas as áreas. Da
mesma forma, difundir a ideia de que “precisa estar no início e no centro de todas as políticas
públicas e de todos os empreendimentos privados, para que os impactos possam ser avaliados
previamente, eliminados, minimizados, e tenham seus custos atribuídos a quem os gera, e não
a toda a sociedade. Mas é raro que a comunicação siga por esse caminho”. (NOVAES apud
TRIGUEIRO, 2005, p.15)
Mídia especializada e sustentabilidade
Aprofundar, rediscutir o papel da mídia especializada em comunicação e
sustentabilidade é desafio quando se tenta perceber as formas de atuação do jornalismo
ambiental colaborativo, ativista, no paradoxo entre sustentabilidade e discurso “marketeiro”.
Ativismo que trabalha o conceito de transversalidade da informação com o compromisso de
divulgar, difundir, socializar o conhecimento, a ciência, junto aos interesses entre defesa de
ambientes fragilizados versus exploração predatória. O e-book Olhar Transversal sobre a
Mídia (PEIXINHO, 2012) condensa publicações que envolvem comunidades tradicionais,
territórios excluídos, caos urbano, denúncias de exploração do capital político-econômico que
confunde crescimento a qualquer custo com desenvolvimento sustentável. Registra, também,
exemplos positivos de autossustentação comunitária em comunidades indígenas do sul da
Bahia, como exemplo de que pode dar certo quando o protagonismo comunitário ocupa
espaços em confrontos político-econômicos.
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A visão transversal defendida por Trigueiro exige compromisso de uma comunicação
sem espaço na mídia corporativa. Programas ditos “sustentáveis” são apoiados por
patrocinadores cujas atividades são foco de críticas, denúncias e falta de compromisso ético,
com alianças paradoxais. Que espaços a mídia estaria abrindo para um mundo sustentável?
Compensar pegadas ecológicas de peso por meio de neutralização de emissões de carbono,
plantando mudas de árvores, de forma simbólica, pode ou deve ser computado para dar
crédito a um “produto” como sustentável? Para ser sustentável não se presume respeitar,
integralmente, toda a cadeia de produção, de ponta a ponta, de forma harmoniosa, cuidadosa,
com mudanças de hábitos dos próprios jornalistas durante o processo de apuração da
informação? Onde podemos ver, observar, registrar uma redação sustentável? Isso seria, é, ou
poderá ser, possível? Como, quando, em que medida? As experiências em campo real
apresentam descompassos nesse processo: ou perde o profissional que se arrisca demais, ou
perde o ambiente, quando o pessoal e o profissional prevalecem. O que poderia caracterizar-
se como injustiça socioambiental, perseguição de mercado, intolerância capital, ou qualquer
outra designação que identifique pessoas, profissionais, ambientalistas, jornalistas,
educadores, comunicadores que lutam contra o greenwashing por compreender de forma
profunda o valor e não o conceito de sustentabilidade?
A percepção do paradoxo entre o “pintado de verde” e o ativismo colaborativo com
foco em mídia e meio ambiente pode ser observado numa realidade que denuncia fatos
contrários aos discursos institucionais, políticos, empresariais, e mesmo das ONGs, que se
apoderaram do papel do governo para captar recursos e funcionam como tripé de um poder
envolto em escândalos sobre desvios e mau uso de recursos alocados para projetos e ações
sustentáveis. A coragem de expor o jornalismo ambiental de “fachada”, conforme Wilson da
Costa Bueno, “repete a mesma hipocrisia observada na divulgação das ações pontuais de
responsabilidade social, rotulando como sustentáveis práticas condenáveis, como as que estão
relacionadas com o uso intensivo de agrotóxicos na agricultura. Imagina que será possível,
como apregoam os arautos da biotecnologia (certamente a serviço das multinacionais das
sementes) matar a fome do mundo com os transgênicos, não percebendo que o compromisso
maior (único?) destas corporações é com os acionistas e com o aumento dos lucros. Gostam
de ‘royalties’, não da vida”. (BUENO, 2008)
Discurso paradoxal
As evidências de fatos reforçam o paradoxo do discurso sustentável. A harmonia entre
dizer que faz e fazer é aprofundada pela “ecosofia”, prática divulgada pelo publisher da
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revista Ideia Sustentável, Ricardo Voltolini, na Plataforma Ideia Sustentável. Em seu livro
Conversas com Líderes Sustentáveis – O que aprender com quem fez ou está fazendo a
mudança para a sustentabilidade, um dos desafios expostos, o do campo filosófico, é a
necessidade de “colocar a ética no coração dos negócios. São muitas as barreiras para a
adoção de uma perspectiva mais ética nas companhias, especialmente por causa do
acirramento da competição, da necessidade de fazer mais com menos e com visão indulgente,
porém culturalmente tolerada, de que no jogo do business as usual os fins justificam os
meios. Será? Provavelmente, esse é um dos dogmas mais decadentes nestes tempos de
ascensão do conceito de sustentabilidade e dos valores que ele implica”. (VOLTOLINI,
2011b, p.28)
Desafios e compromissos do repórter
É reclamação comum do jornalismo que o processo de apuração de informações na
mídia tradicional, corporativa, é burocrático, apressado e superficial. As pautas não têm
compromisso profundo com a investigação e repórteres podem se tornar meros cumpridores
de pautas, instrumentos de intermediação de poder. É um jornalismo que não abre espaço para
priorizar informações que liguem meio ambiente com o resgate das raízes da formação do
povo brasileiro, onde a identidade deva ser valorizada, em forma e conteúdo, para justificar o
uso do termo sustentabilidade. Observemos o que diz o professor Wilson da Costa Bueno:
“As questões ambientais, para esses segmentos da mídia, só podem (e devem) ser resolvidas
por uma elite, os especialistas, com a exclusão correspondente dos menos favorecidos, os que
não têm voz, como os povos da floresta, os agricultores familiares, os atingidos pelas
barragens, os pescadores, os mateiros e todos aqueles que não dominam o discurso
competente dos que se encastelam em ambientes refrigerados e veem apenas, em seu egoísmo
intelectual, o seu próprio umbigo, sua carreira, sua promoção pessoal”. (BUENO, 2008)
Contribuição do jornalista especializado
Nessa ótica, interessa abordar como a mídia especializada, e dentro dela, como o
jornalista, em equipe e/ou individualmente, pode, ou não, dar a sua contribuição para a
transversalização da informação dentro do papel que lhe cabe como difusor, propagador de
mídia especializada em sustentabilidade. Até onde cada um tem ido, feito, mudado, nos
mínimos e importantes gestos cotidianos?. “E, nessa contribuição, como você observa o papel
do jornalista nos seus mais diversos campos de atuação, na transversalizacão sobre a visão de
mundo, para o resgate de valores humanos, espírito solidário, mudança de comportamento
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com relação ao consumo para um planeta mais cidadão?”. (PEIXINHO, 2010)
Importante aqui contextualizar meio ambiente e transversalidade no pensamento
sistêmico do físico e educador Fritjof Capra na apresentação do livro Mundo Sustentável, de
André Trigueiro: “A preocupação com o ambiente não é mais apenas uma dentre várias
questões. É o contexto em que se desenvolve todo o restante – nossas vidas, nossos negócios,
nossa política”. (TRIGUEIRO, 2005, contracapa) Na análise que faz do livro, Capra diz: “Em
suas análises e discussões, Trigueiro mostra que a proteção ambiental é uma empreitada que
transcende todas as diferenças de raça, cultura, classe, que a Terra é nosso lar comum e que
criar um mundo sustentável é nossa tarefa comum”. (ibidem) Após entender as observações
de Capra, contextualizamos as observações sobre a necessidade do olhar jornalístico ampliado
reforçando o que ainda se ressente, quando Trigueiro responde indagação da repórter Liliana
Peixinho sobre o papel do jornalismo nesse contexto: “Eu entendo jornalismo como duas
frentes de trabalho que não se excluem, pelo contrário, são complementares: denunciar o que
está errado, sinalizar os rumos, as saídas, as alternativas, opções inteligentes em favor da
vida”. (PEIXINHO, 2010)
Quando lemos as observações de outro jornalista, experiente na área de
sustentabilidade, Dal Marcondes, podemos entender melhor a necessidade desse olhar
contextualizado: “Os grandes desafios do desenvolvimento passam pelo conhecimento. Ele é
fundamental para que os cidadãos possam, em seu cotidiano, tomar decisões”.
(MARCONDES, apud TRIGUEIRO, 2005, contracapa) Desafio difícil quando observamos
uma comunicação atrelada ao poder político de manutenção da ignorância, e outro jornalismo
em plantão full time, em eterno dead line, sem estruturas de retaguardas, e fincado em
princípios éticos que dificultam alianças com quem está a fiscalizar, observar, denunciar.
Mas, importante perseguir o que o jornalista Marcondes, fundador da Envolverde, coloca:
“Cada um tem de compreender que é parte de um todo e que qualquer solução deve,
necessariamente, envolver cada indivíduo. A cidadania passa, também, por um jornalismo
sem adjetivação. Não é jornalismo ambiental, econômico ou esportivo. É apenas jornalismo”.
Ao considerar que jornalismo científico e cidadania têm em comum a necessidade da
promoção da informação como instrumento de poder e transformação, precisamos ter
consciência de que vivemos num mundo globalizado, transparente, vigiado, controlado,
impossível de se escamotear informações. Nesta conexão entre o proativismo de ações
individuais e elos com o paradoxo sustentável, observamos produções veiculadas no ambiente
globosférico interativo virtual e presencial. É nesse desafio que vemos o protagonismo
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jornalístico cidadão blogosférico assumindo compromissos que deveriam ser da ciência.
Observamos o que aprofunda o artigo Crescimento econômico, meio ambiente e
sustentabilidade social, publicado no site Mercado Ético, quando aborda “as
responsabilidades dos cientistas”. Segundo o autor, Hugh Lacey, (2009) “a
identificação da ciência com a tecnociência, e, assim, a virtual exclusividade da
pesquisa conduzida dentro da abordagem descontextualizada, reforçada pelos
valores do progresso tecnológico, fundamenta uma visão inadequada da
responsabilidade dos cientistas, qua cientistas. De acordo com esta visão
inadequada, é comum dizer que a crise ambiental e a desigualdade na distribuição
dos benefícios derivados da ciência não fazem parte da responsabilidade dos
cientistas enquanto tais, e que em problemas de aplicação a responsabilidade dos
cientistas é apenas fornecer conhecimento objetivo para a criação de aplicações, em
princípio imparcialmente em relação a perspectivas de valores. Como o
conhecimento é realmente usado não é responsabilidade dos cientistas, já que isto
está fora de seu poder, e os cientistas nada podem fazer se aqueles que têm o
poder para utilizar o conhecimento científico, por exemplo, governos e grandes
corporações, o fizerem de forma que não concorde com a neutralidade. Isto não é
suficiente. Eu sugiro que faz parte da responsabilidade dos cientistas perceberem as
condições socioeconômicas da produção do conhecimento científico e do espaço de
alternativas, e garantir que, quando o conhecimento científico é aplicado, todo
conhecimento relevante seja gerado e considerado – e, quando não for, insistir que
mais pesquisas sejam realizadas, ou (pelo menos) não emprestar a autoridade da
ciência a propostas que não foram pesquisadas adequadamente”.
Sustentamos o que sinaliza Lacey quando diz que os cientistas: “[...]tentam identificar
– através de deliberações democráticas (em que alguns prevêem que os novos arranjos podem
surgir dialeticamente das práticas dos movimentos populares e de seus aliados – arranjos
sociais em que um novo equilíbrio se torna possível entre a sustentabilidade e as atividades
econômicas que servem o bem-estar humano.”. (ibidem)
A referência de Lacey reforça faces de um jornalismo ambiental ativista colaborativo,
que observamos em grupos, redes, listas, que se retroalimentam em ambientes virtuais para
reais, pessoais, face a face, em praças públicas, shopping centers, shows, passeatas,
manifestações públicas, contra consumo exagerado, desperdício, uso indevido de recursos
públicos, falta de investimento em infraestruturas necessárias à garantia de direitos
propulsores da cidadania. Se sustentabilidade, por conceito, pressupõe harmonia entre
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produção e consumo, na escala de valor o que sinaliza como dominante é o capital. Uma
mídia especializada em meio ambiente e sustentabilidade mostra, faz, cumpre o seu papel
mobilizador, articulador, comunicador, diante de sinais do mal-estar humano. É no paradoxo
discurso versus realidade cotidiana que a vida exige novas formas de produção e consumo
para as adaptações necessárias em ambientes desregulados em sua origem.
Observamos um jornalismo proativo, apaixonado, comprometido, ligado e preocupado
em reforçar a informação como instrumento, ferramenta, caminho para compreensão
contextualizada dos fatos, de forma sistêmica. Tarefa para jornalismo ambiental? As
replicações em diversos sites e blogs da entrevista especial concedida pelo jornalista
especializado em comunicação e sustentabilidade, André Trigueiro, reforça, de novo, a
distância entre pauta e publicação, mas levanta novo olhar acadêmico sobre estruturas de
editorias nas redações, tradicionais ou novas, virtuais. “Concordo com a tese de que a gente
não precisa de uma editoria de meio ambiente. Eu não sou jornalista ambiental, isso me
coloca num gueto em que não me sinto confortável”. (PEIXINHO, 2012)
É assim que muitos jornalistas que atuam com essa visão transversal se reúnem e
formam grupos, listas, eventos sobre jornalismo ambiental. E é típico do jornalismo, criar,
inventar, categorizar, rotular atitudes, comportamentos, ações, editorando-as. O que
chamamos aqui de jornalismo ambiental ativista surge como contraponto à prática adotada
pela mídia oficial cotidiana. Desafio posto para quem acredita em escolhas e procura entender
e enfrentar adversidades para atuar na sociedade. “O jornalismo ambiental em nosso país
enfrenta inúmeros desafios. Eles se iniciam no processo de capacitação do jornalista que irá
trabalhar na área, se multiplicam nos veículos da grande imprensa e estão associados,
inclusive, à própria percepção de seu papel por determinados segmentos da sociedade”.
(BUENO, 2008). Desafios que Bueno vem expondo com coragem ao levantar questões que
colocam a sustentabilidade em xeque diante da superexposição do termo cujo conceito anda
distante da necessidade de ajudar o próprio ser humano a compreender, reconhecer, identificar
e mudar comportamentos que desestabilizam sintonias entre ser e ter.
James Lovelock pode ajudar na compreensão dessa simbiose quando diz:
“Compreender o ambiente como um todo, para preservar a vida, e não o planeta, que com
certeza terá suas forças naturais para vencer os estragos nele provocados”. (LOVELOCK,
1996, p.44). Foco que se reforça como pauta na mídia, diante do que expõem especialistas
sobre a “necessidade de imprimir um ritmo mais acelerado à redução do impacto ambiental
em atividades produtivas e dos produtos e si. Vimos que os avanços tecnológicos não se
mostram suficientes para garantir um desenvolvimento sustentável, se for mantida a postura,
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predominante, de tentar controlar a poluição com base em medidas do tipo fim de tubo”.
(KIPERSTOK et al., 2002, p.44)
Indústria da seca e elos no paradoxo sustentável
O paradoxo entre o discurso da sustentabilidade, difundido em propaganda maciça nas
redes de televisão e outras mídias é reforçado aqui com análises de especialistas que
denunciam a farsa do discurso “marketeiro” em ações ditas sustentáveis.
Depois de desconsiderar estudos, previsões, diagnósticos, pesquisas científicas,
indicadores de ciclos climáticos, para a execução de projetos, ações, programas com
planejamento e prevenção, as articulações políticas se fortalecem para a liberação de recursos
emergenciais, próximo às eleições, para amenizar perdas humanas e econômicas, na
agricultura, saúde, habitação, meio ambiente, estradas e infraestrutura de forma geral. Dos
417 municípios da Bahia, mais da metade, cerca de 240 prefeituras, solicitaram o “decreto de
estado de emergência”. Utilizada como moeda de troca forte no cenário de eleições
municipais, a água, motivo do sofrimento nordestino na resistência aos efeitos negativos da
seca, recebe injeção gorda de recursos por meio de ações como o Programa Água para Todos.
(BRASIL, 2011) Mas os desvios e desperdícios são ações poderosas no quadro de miséria,
capitalizado pela velha e perversa política coronelista, que só mudou de nome, para a garantia
de votos. As perdas culturais, pessoais, psicológicas se multiplicam, rapidamente, em cadeias
sucessivas. Neste cenário, mais de dois milhões de pessoas fragilizadas, sem saídas,
engrossam as filas para se curvar e receber migalhas, em cestas básicas, remédios, jogos de
camisas de futebol, consultas médicas apressadas, para se fazer de conta que são cuidadas. O
grande projeto político é a capitalização dos votos, em sistemas históricos de exploração,
herdados do clientelismo, atualmente travestido de política inclusiva. Associações, sindicatos,
ONGs e coletivos diversos integram um engendrado sistema de captação de recursos,
construído em representações de cargos políticos para disputar editais forjados, processos
seletivos escamoteados, e contratação de consultorias técnicas de controle dos recursos.
É nesse contexto que o uso da água entra como moeda de troca. A capitalização
política da miséria nordestina e baiana foi exposta por Josué de Castro como o “Nordeste
inventado”, na obra Geografia da Fome (CASTRO, 1984). Ao inserirmos a discussão sobre o
acesso a água e outros direitos básicos não assegurados, observamos a Bahia com os menores
índices de IDH (Índice de Desenvolvimento Humano).
Imprensa não fecha o ciclo da denúncia
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No seu papel de transformação social por meio da informação investigada, checada, a
imprensa, além de denunciar, deveria acompanhar, com maior assiduidade e detalhes, os fatos
que envolvem uma notícia. Mas o jornalismo apressado não consegue fechar o ciclo das
denúncias de ponta a ponta. Não faz acompanhamento na frequência e velocidade necessárias
às mudanças, muito menos credencia fontes que possam alimentar esse processo. Na matéria
especial Os Novos Messias do Sertão, publicada na revista Época, Bernardino Furtado (2012)
chama atenção para os horrores da miséria humana no flagelo da seca, ocupando espaço
investigativo sobre a “Água como moeda”. Mas logo outra pauta ocupa espaço e tempo para
transformar o especial em factual.
Desconexões com a realidade
É histórica a desconexão entre discurso político e ambiente de captação de votos via
indústria da seca, e a população que mais sofre e precisa de água acaba não tendo acesso aos
recursos. Por meio do jornalismo investigativo, ativista, comprometido com os fatos,
observamos que cidadãos são enganados com migalhas tipo um carro-pipa para o consumo de
dezenas de famílias numerosas, que têm que racionar, repartir, para resistir à seca criminosa,
pois a falta de chuvas, e de água, tem correlações diversas. Se as matas ciliares não fossem
dizimadas pelo agronegócio, por exemplo, as precipitações seriam mais frequentes, e os rios
perenes, para a garantia do rico e biodiverso bioma Caatinga.
Miséria é denunciada, mas não passa disso.
Pequenos proprietários de terra, como seu Arnou, na região de Senhor do Bonfim,
convivem com famílias numerosas numa área de terra esturricada, açudes secos, rachados. As
poucas cabeças de gado morrem de fome, envenenadas por comerem o que não podem, as
galinhas adoecem. Por extensão, “faltam empregos – hordas de flagelados mínguam às
margens das rodovias pedindo esmolas. Em alguns casos, é o que mantém famílias inteiras.
Falta comida. As lavouras de feijão, mandioca e milho, ração básica dos sertanejos, viraram
palha há muito. As cabras disputam restos de pasto e um ou outro arbusto de jitirana, planta
típica e resistente. Sem emprego e sem comida, falta Estado”. (FURTADO, 2012)
Complementamos as informações de Furtado para reforçar o ciclo perverso da seca no
envolvimento de problemas em cadeia. Na roça do seu Sabino Ferreira, 81, e dona Iracema,
80, na Passagem Velha, Bahia, das 20 cabeças de gado, que sustentavam 50 litros de leite, em
média, por dia, seis morreram logo nos primeiros meses da histórica seca desse ano de 2012.
Com uma aposentadoria de 560 reais o proprietário não consegue mais pagar o leiteiro, não
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pode comprar água, os netos e bisnetos não têm mais graça para brincar no terreiro
esturricado, e vidas vão se sucumbindo, sonhos derrubados. Mas a gente escuta pessoas como
seu Sabino Ferreira dizer coisas assim: “Se a gente morre, o gado também morre, e vai fazer
se o quê!?”.
Reflexões
Os caminhos para a atuação em jornalismo ambiental ativista podem requerer uma
combinação de tecnociência na elaboração de políticas, com pluralismo de métodos, para
descobrir alternativas na construção de cadeias de produção de informações harmoniosas de
ponta a ponta, num processo aberto a investigações empíricas, incluindo estratégias de valor
popular, para sustentar-se horizontalmente. A crise ética que se observa no jornalismo, com
críticas severas da própria categoria no desempenho da função, aliada ao processo
democrático de escoamento de informações em redes virtuais, tem levado jornalistas,
decepcionados com o mercado corporativo, para iniciativas próprias, em blogs, sites e grupos
de identidade focada em áreas específicas.
Assim, observa-se no Brasil, na Bahia, a partir de Salvador e também no interior, uma
mídia colaborativa, corajosa, que se expõe, se mostra, ao se comprometer em veicular
informações que confrontam interesses corporativos. Uma mídia que paga para trabalhar, ao
sustentar, por conta própria, pequenas estruturas de funcionamento como computadores,
internet, manutenção de máquinas fotográficas, deslocamentos para coberturas de crimes e
desastres ambientais, que faz palestras, oficinas, rodas de diálogos, exposições fotográficas
sobre temas como exploração de mão de obra no campo, manifestações de povos tradicionais
indígenas, quilombolas, agricultores familiares e uma série de ações insustentáveis observadas
em ambientes degradados, impactados por projetos empresariais, governamentais, e até
mesmo por ONGs que se dizem sustentáveis, sem ser, ao observamos impactos nas
comunidades que confirmam a distância entre o discurso e a realidade.
Links da entrevista especial
Liliana Peixinho: <http://lilianapeixinho.blogspot.com.br/>. 21.04.2012>.
Ciência e Cultura - Agência de Notícias em CT&I da Bahia:
<http://www.cienciaecultura.ufba.br/agenciadenoticias/entrevistas/andre-trigueiro/>.
Envolverde: <http://envolverde.com.br/portal/arquivo/?cod=84692>.
movimentoAMA: <http://movimentoama.wordpress.com/author/movimentoama/>
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Mundo Sustentável: <http://www.mundosustentavel.com.br/2010/11/entrevista-antes-da-
palestra-espirito-e-ecologia/>.
Revista Rebia: < http://issuu.com/portal-do-meio-ambiente/docs/revista-do-meio-ambiente-
Bibliografia
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