Saturday, January 30, 2016

CAÇADORES DE ÁGUA

Caçadores de água

Por: Liliana Peixinho*
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No planeta Terra, onde a água predomina, o Homem passou a caçar o maior bem da vida, cuja abundância, desproporcional ao descaso, compromete a existência, em suas múltiplas formas. No Brasil, região como o Nordeste, historicamente castigado, os reservatórios diminuem. Nascentes do Cerrado, que alimentam a Bacia do rio São Francisco, são degradadas em meio ao ritmo acelerado do agronegócio.
Eventos climáticos desregulam as chuvas. No Sul, a chuva inunda, no Nordeste, o Sol esturrica a terra. As áreas de desertificação no semiárido brasileiro atingem cerca de meio milhão de pessoas, em 20 mil km quadrados de solo espalhado entre o Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco. O cenário se complica com o alastramento da desidratação numa área de 230 mil quilômetros quadrados, degradada, ou em alto risco de degradação. Equivalente a mais que todo o estado do Ceará.

O Engenheiro Agrônomo, Nizomar Falcão, nessa entrevista especial e exclusiva, aprofunda, cientificamente, em linguagem acessível, os múltiplos problemas que envolvem: acesso, desperdício, gestão, relação comunitária, domínio capital, fontes alternativas para preservação de matrizes, em contextos de demandas reprimidas históricas, para a garantia da água, como direito básico. De forma transparente, corajosa, linkada aos grandes desafios de preservação da vida, planeta afora, o diálogo entre um professor e uma jornalista, especializados em foco socioambiental, traduz inquietações, revela compromissos e denuncia gestões tortas, em cursos d’água.
Nascido em Mossoró, Rio Grande do Norte, o professor é desses  nordestinos típicos, de nos orgulhar ( com sua licença aqui pra valorizar a fonte). Homem simples, tranquilo, corajoso, fala mansa, olhar reto, o engenheiro saiu do Brasil para aprofundar sua paixão pelos estudos sobre água e seus múltiplos sentidos de vida, em Milão, Itália. Com a sapiência de um eterno pesquisador, curioso, disciplinado, o engenheiro, que também é escritor, nos brinda, de forma generosa, com informações inéditas, contexualizadas em valores profundos sobre uso, controle e desafios do maior bem da vida: a água.
De forma séria, e em compromisso com pautas em desafio mundial, ele nos acompanha Brasil e mundo afora, como um caçador de água. Estivemos juntos, em companhia de dezenas de especialistas de 36 países, reunidos em  Fortaleza, Ceará, entre 21 e 26 de novembro de 2015, ano marcado por crimes ambientais gigantes como: o rompimento da Barragem da Samarco/Vale, e seu mar de lama devastando vidas sobre o rio Doce e cidades de Minas Gerais, Espírito Santo e  sul da Bahia; os incêndios devastadores de ecossistemas da Chapada Diamantina; assassinato e perseguição a centenas de ambientalistas; escândalos de desvios de recursos de obras polêmicas no rio São Francisco, e um rosário de problemas em cadeias desarmoniosas.
O  estado do Ceará foi palco mundial de debates sobre água, em evento que reuniu o O2 Encontro  Intercontinental sobre a Natureza, Diálogos sobre Governança da água e, Encontro Internacional de jornalistas especializados em Meio Ambiente.  Países como Canadá, África do Sul, Espanha, Chile, México, Suécia, Argentina, Brasil, e dezenas de outros, participaram de trabalhos que mobilizam o Brasil e o planeta Terra, em busca de soluções para garantir a vida.
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Autor de diversos livros sobre água e seus contextos de vida, o cientista Nizomar fez exposição sobre desafios e caminhos da água para a preservação da vida.
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Nizomar explicando como se dá  a formação de áreas de desertos no Nordeste Brasileiro
Como um dos expositores do mega evento intercontinental, o nosso entrevistado, Nizomar Falcão, chama atenção como um cientista onde a informação vem como carga leve da experiência em campo aberto, agregadora em imagens reais. Estudioso eterno de um problema que conhece de perto, como nordestino e morador do Ceará, o engenheiro tem currículo rico, e coloca em prática o que aprendeu como: PhD em Antropologia da Contemporaneidade (Universidade de Milão - Itália); Mestre em Agronomia – Fitotecnia pela Universidade Federal Rural do Semiárido; Especialista em Gestão Pública pela Universidade Estadual do Ceará (Uece); Especialista em Irrigação e Drenagem pela Universidade Federal da Paraíba; e Engenheiro Agrônomo pela Escola Superior de Agricultura de Mossoró). Autor de  diversos livros como:” Além do Assistencialismo: da pobreza a reciprocidade”, “ Extensão Rural: simulacro de educação rural como estratégia de desenvolvimento”, “ Espírito dos das Águas: progresso e harmonia social”, “Água e Desenvolvimento Sustentável”, e “ Reciprocação: desenvolvimento e exclusão no semiárido brasileiro”, Nizomar escreve com foco em compromisso com experiências in loco, nas próprias comunidades alvo de seus trabalhos. Pesquisas que inspiram confiança, credibilidade, sustentadas em práticas onde a comunidade é sempre o foco principal. 


Destaques da entrevista

 A água usada pelos índios, in natura, antes da chegada da “civilização” era um bem da natureza, tornou-se uma mercadoria pelas ações antrópicas. Ao se fazer esta transição, quebrou-se uma regra universal: aquela na qual os rios e as florestas eram sagradas e possuíam altíssimo valor, mais não tinham preço. Com a degradação dos bens naturais, a água adquiriu um valor de troca e incorporou a precificação. A eficiência tem a ver com competência técnica. A equidade com decisão política.
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E chegou a “ civilização” ameaçando o cuidado nativo com a pureza d’água

 A operação da polícia federal “Vidas Secas” revela que o discurso inflamado de transposição das águas do rio São Francisco, para o Nordeste setentrional, é apenas uma falácia. O que parece é que por trás desta “panaceia” existe um grande “lobby” de consultores, empreiteiras e políticos desonestos. O conluio de autoridades com estes grupos de pressão influenciam os espaços decisórios dos profissionais do poder público, que aprovam aditivos aos contratos em desacordo com as finalidades técnicas. Estes aditivos superfaturados embutem os recursos destinados aos enriquecimentos ilícitos e ao financiamento de campanhas eleitorais. É a indústria da seca renovada, reinventada. Deste modo é uma conspiração que penaliza, não somente as pessoas que precisam da água das bacias doadoras, mas também das bacias receptoras, que tem que pagar um preço abjeto.

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Obras abandonadas, em 2013- Sertânia (Pernambuco). Desperdício de recursos

O modelo cultural e produtivo dominante foi até agora centrado simplesmente na identificação do “desenvolvimento” (modelo de progresso baseado na exaustão dos recursos naturais), com o crescimento dimensional quantitativo, no qual se enfatiza a escassez e as necessidades, sempre de forma superestimadas, como forma de obter mais recursos hídricos. Não existe uma busca por geração de produtos menos consumidores de água, mais por mais água, não importando a que distância ela esteja, fazendo com que sejamos eternos caçadores de água.

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Floresta ‘palito” monocultura capital devastadora
Eventos catastróficos como o que aconteceu no rio doce é o efeito colateral do “desenvolvimento”. Os governos, na sua ânsia, de promoção do “desenvolvimento” acabam permitindo ou relaxando nas medidas de segurança, protetivas e mitigatórias. Acabam permitindo construção de barragens ou outras obras de engenharia em locais de perfil geológico incompatível.
Os processos naturais e as atividades humanas, mediante modificações calamitosas da superfície terrestre, exercem pressões insustentáveis sobre o ambiente. Os estudos de impacto ambiental acabam sendo desleixados no tocante às medidas de prevenção e mitigação.
O cuidado dispensado a estes aspectos deve estar inserido no contexto do progresso sustentável de cada território. Deve ser um modelo que se baseie no princípio de integração entre ambiente e progresso, orientado a obter critérios de equidade, precaução, prevenção, partilha das responsabilidades, reciprocidade ambiental e participação. O uso dos recursos naturais deve ser parcimonioso, especialmente, daqueles não renováveis, de modo a não danificar de maneira irreversível o patrimônio natural ou cultural. Responsabilização e participação devem serem compreendidos como métodos de educação.
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Vidas perdidas em mar de lama rio Doce abaixo.
O potlatch é o fenômeno cultural mais relevante. Era uma cerimônia dos índios americanos, na qual se praticava uma troca agressiva e perdulária de bens. Uma destruição ritual de bens acumulados como forma de demonstração de superioridade. A superioridade estava em não possuir valores maiores que os demais membros das tribos. A glória não estava na riqueza mais no desapego. Um plano simbólico de honra.

Os eventos das organizações não governamentais precisam estar desvinculados de governos para que possam discutir os problemas da sociedade civil sem amarras. Desta forma eles se tornam  mais afirmativos, mais propositivos, mais questionadores. A dificuldade está em viabilizar grandes eventos desta natureza sem o concurso destes patrocinadores. Eventos desta natureza precisam se libertar das amarras e do controle das suas agendas de programação.

 Entrevista completa
Liliana Peixinho - Como especialista em água e seus desafios comunitários, como observa
os programas de acesso a esse bem natural, a nível mundial?

Nizomar Falcão - A água na língua Tuareg (povo berbere constituído por pastores seminômades, agricultores e comerciantes habitantes do deserto do Saara) se chama “aman” (plural sem singular) que geralmente está associado a “iman”, igualmente sem singular, que significa “alma” e que pode ser traduzida como vida, dando origem ao adágio popular “água é vida”. Este enunciado é frequentemente seguido de “akh isudar” (leite da nutrição ou leite que nos alimenta). Esta pluralidade testemunha a importância da água para regiões áridas, semiáridas e desérticas do planeta e a sua natureza livre.
No semiárido brasileiro, a água, está no imaginário popular, por conta de sua eterna busca, seja ela transportada no lombo de um jumento para as atividades domésticas, que carregam ancoretas (20 litros), às vezes substituído pelo boi para atendimento coletivo por meio de carro-pipa (600 litros).
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Mulas e jegues são aliados na caça e distribuição d’água em cidades do interior Foto: Liliana Peixinho
Nas zonas semiáridas, a água não forma grandes sulcos na terra para escoamento da água das chuvas. Os rios são muito diferentes daqueles existentes nas regiões mais chuvosas, como é o caso dos rios Amazonas, Paraná, Madeira-Mamoré, Purus, Tocantins etc. No semiárido brasileiro, se destacam os rios perenizados pelos grandes barragens, como é o caso do Jaguaribe e Piranhas-Açu. A grande exceção é o rio São Francisco, considerado como o rio da Integração Nacional pelo fato de aliar o Sudeste e o Centro-Oeste com o Nordeste.
Pelo exposto pode-se admitir que os modernos programas de oferta de água às populações estão em desacordo com o código dos costumes, na medida em que a água deixou de ser um bem livre, um direito, para ser um negócio. Quanto menos água mais caro ela custa. É a lei da oferta e da procura da economia.

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Leito de rio seco – Sertão da Bahia entre Cansanção e Monte Santo

LP- O planeta Terra é em sua parte maior, água. Porque tantos problemas em garantir o uso com eficiência e equidade?

NF -O problema de escassez da água, em nível mundial, é decorrente de condições geográficas e econômicas. Isto faz com que aproximadamente 2 bilhões de pessoas tenham acesso limitado a água de qualidade. A problemática se acentua com as manipulações jurídico-econômicas. Em vez das instâncias governamentais administrarem os recursos hídricos pela ótica da “demanda”, optam fazê-la pela “oferta” como um modo de aumento da arrecadação financeira pelas empresas públicas e privadas. Isto se insere numa lógica, internacional, que atribui à água um valor econômico. As ferramentas de outorga e cobrança são modeladas e formuladas  orientando-se exclusivamente pelo controle econômico, como argumento de uso racional.
A água usada pelos índios, in natura, antes da chegada da “civilização” era um bem da natureza, tornou-se uma mercadoria pelas ações antrópicas. Ao se fazer esta transição, quebrou-se uma regra universal: aquela na qual os rios e as florestas eram sagradas e possuíam altíssimo valor, mais não tinham preço.
Com a degradação dos bens naturais, a água adquiriu um valor de troca e incorporou a precificação. A eficiência tem a ver com competência técnica. A equidade com decisão política.
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Reservatórios, como o do Castanhão – Ceará, com baixos níveis d’água 
LP- Em 2001, o Movimento AMA - Amigos do Meio Ambiente, entregou na Unesco, em Paris, o dossiê Rio São Francisco, com informações sobre o seu estado de agonia, e ao então, desejo de reivindicar o título de Patrimônio Natural. De 2001 para cá a situação do Velho Chico, em processo de degradação contínua, só piora. Seja em escassez, poluição, esgotos jogados diretamente nas águas, desmatamento, falta de tratamento, problemas de garantia de acesso ao que restou, para quem mais precisa: os ribeirinhos. Em paralelo, observamos caudalosos volumes de recursos alocados em nome do projeto de Transposição, cujas obras inacabadas se arrastam, por anos e anos, desde a proposta da transposição, por volta de 2005. Qual o sentido e a viabilidade de projetos como esse, para garantir água a quem prometido?

Mobilização nacional em Cabrobó, Pernambuco, Outubro de 2005, pela Revitalização do rio São Francisco, contra o Projeto de Transposição.
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Entre a Capela da Fazenda São Sebastião, e a casa da família de Dona Isaura e seu Lídio, em Cabrobó, milhares de pessoas se espremiam para pedir a Revitalização do Velho Chico.
10641212_4829334709190_45182299001715929_n.jpgCaravanas do Nordeste e de todo o Brasil chegaram até a                Fazenda São Sebastião, Cabrobó- Pernambuco, para a mobilização da água vida da vid
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 Ribeirinhos, agricultores, pais de famílias não mediram esforços para viajar, em paus de arara, até Cabrobó
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Animais mortos de sede nas estradas à procura d’água
NF -A operação da Polícia Federal “Vidas Secas” revela que o discurso inflamado de transposição das águas do rio São Francisco, para o Nordeste setentrional, é apenas uma falácia. O que parece é que por trás desta “panaceia” existe um grande “lobby” de consultores, empreiteiras e políticos desonestos. O conluio de autoridades com estes grupos de pressão influenciam os espaços decisórios dos profissionais do poder público, que aprovam aditivos aos contratos em desacordo com as finalidades técnicas. Estes aditivos superfaturados embutem os recursos destinados aos enriquecimentos ilícitos e ao financiamento de campanhas eleitorais. É a indústria da seca renovada, reinventada. Deste modo é uma conspiração que penaliza, não somente as pessoas que precisam da água das bacias doadoras, mas também das bacias receptoras, que tem que pagar um preço abjeto.
LP- Quais as origens e os efeitos de áreas desertificadas Brasil e outros países, Planeta Terra afora? O que deve ser feito para evitar, mitigar?
NF -A desertificação é um processo de modificação ambiental promovido pelas ações antrópicas que leva à formação de uma paisagem árida ou a um deserto, ocasionadas pelo manejo inadequado dos recursos naturais. Ela também é fruto de uma inconsequência ideológica que atribuía às grandes áreas preservadas do semiárido brasileiro a denominação de “latifúndios improdutivos” como se preservar a natureza não fosse uma produção. Ao fracionar estas áreas impróprias para agricultura, ao retirar a vegetação que protegia os solos rasos, ao provocar queimadas que exterminavam a flora e a fauna, acabaram por contribuir profundamente para o fenômeno de desertificação.
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Terra esturricada onde nem o umbuzeiro, Rei da Seca, sobrevive.
As práticas mitigatórias tem que estar embasadas em práticas tradicionais e em conhecimentos étnicos das populações residentes atingidas pelos processos degradantes. As intervenções do Estado não podem atropelar a organização cultural e social no sentido de possibilitar a convivência com o semiárido. Para mitigar as atividades humanas é recomendável deixar estas áreas em pouso para sua recuperação. Cabe aos seres humanos subsidiar a natureza, numa reciprocidade para com o ambiente, remunerando as pessoas dependentes destes espaços pelo “lucro cessante” (reparação dos danos materiais efetivamente sofridos por cessarem os benefícios do espaço geográfico).
A mitigação destas áreas passa pela recuperação do ecossistema caatinga - um bioma único, por um esforço para recompor aquilo que foi degradado, principalmente, pelo binômio boi-algodão. Mitigar agora, significa, reaver as “áreas latifundiárias improdutivas” pela adequação destes territórios a sistemas agrosilvopastoris, pela implantação de matas ciliares, pela construção de barragens de sedimentos para conservação das bacias hidrográficas, pela intocabilidade das fontes naturais, pela construção de cordões de contorno etc. Enfim, temos que fazer o caminho de volta.
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Sem mata em volta da água o ambiente fica insustentável, sem vida.
A complexidade aumenta pelas mudanças climáticas que estão promovendo uma alteração em escala global dos fenômenos atmosféricos e que tem impacto direto sobre os planos de combate à desertificação. Nesses novos tempos, não basta apenas mitigar, é necessário, também, avançar sobre medidas adaptativas.
LP - O Brasil pratica a cultura da geração de energia, em hidroelétricas, em larga escala. Num pais com tantas outras fontes alternativas os custos sociais da exploração dessa matriz natural não tem sido desproporcional aos ditos ganhos econômicos, com perdas de ponta a ponta, para comunidades como: indígenas, quilombolas, pequenos agricultores?
NF -Se antes a energia hidroelétrica era praticamente a única forma de se produzir energia em larga escala, hoje não é mais imprescindível, desde que exista uma decisão de mudar a matriz energética do Brasil. As energias renováveis, por exemplo, o álcool, usado maciçamente para abastecer a frota de veículos do Brasil, contribuiria decisivamente minimizar os efeitos sobre o clima e a poluição dos grandes centros. Substituir a matriz fóssil pela bioenergia, evitaria que milhões de toneladas de CO2 fossem lançadas diariamente no ambiente.
A região semiárida do Brasil, com uma posição privilegiada em relação ao equador, propicia uma condição extraordinária para produção de energia solar, pela angulação em que os raios solares atingem a superfície deste amplo território.
energia-solar.pngEnergia alternativa solar no lugar de hidroelétricas precisa ser potencializada
A imensa costa brasileira (aproximadamente 5.000 km) podia ser amplamente explorada para produção de energia eólica, assim como, o próprio oceano atlântico, entre os estados do Rio Grande do Norte e Ceará, que não possuem regiões abissais, podiam ser aproveitadas para geração de energia, no mar, sem contar a energia das ondas.
No âmbito dos pequenos agricultores muito pode ser feito pelo aproveitamento dos “cataventos”, dos biodigestores e da biomassa, aí incluídas a questão do aproveitamento dos aterros sanitários dos centros urbanos. Parece-me que falta decisão política.


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Cataventos e irrigação alternativa para agricultura sustentável

LP- O que de fato o Brasil, e países engajados em acordos internacionais para garantir a água como fonte da vida, estão a propor fazer, atualmente, para encarar os desafios em pauta no mundo?

NF -A presença ou ausência de água em um território, a sua abundância ou escassez, são razões que ao longo dos séculos tem determinado a história dos assentamentos humanos, sua permanência ou nomadismo. Na relação, dinâmica e instável, entre água e o território circundante deve-se procurar as razões para a escolha daquele lugar pelo gênero humano para se fixar. Um lugar de vida, mas também da morte.


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Leitos secos, terra sem verde, sem vida, desmatada.
A história do lugar coincide com a história dos povos que a habitam, de tal modo que a terra adquire a capacidade de representar os próprios indivíduos, o seu progresso e a relação com a natureza. É por isto, que a água foi considerada, ao longo dos séculos, um recurso do qual se deve procurar usar da melhor maneira possível, de acordo com a sua disponibilidade no tempo.
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Água e uso em harmonia por comunidades indígenas
Questões cíclicas da água, como excesso ou escassez, qualidade e regularidade (princípio de segurança hídrica), são atualmente problemas conexos a novas problemáticas, como o aumento do crescimento demográfico, o crescimento das atividades civis, particularmente os assentamentos urbanos e os sistemas produtivos, a enorme demanda de energia, a preservação do ambiente (lâminas ecológicas).
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Exposição fotojornalística  SECA SERTÃO ADENTRO
Isto exige que sejam definidas políticas e estratégias por uma Gestão Sustentável da Água, necessidade a qual, verdadeiramente, não estamos ainda em condições de dar respostas plenamente satisfatórias, nem sob a escala local e muito menos em escala planetária. O modelo cultural e produtivo dominante foi até agora centrado simplesmente na identificação do “desenvolvimento” (modelo de progresso baseado na exaustão dos recursos naturais), com o crescimento dimensional quantitativo, no qual se enfatiza a escassez e as necessidades, sempre de forma superestimadas, como forma de obter mais recursos hídricos.
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Agronegócio insustentável, criminoso, venenoso!

Não existe uma busca por geração de produtos menos consumidores de água, mais por mais água, não importando a que distância ela esteja, fazendo com que sejamos eternos caçadores de água.
agua e agronegocio paracatu-irrigacao-470x260.jpgO agronegócio desperdiça cerca de 60% de água
A partir dos anos setenta, do século XX, na comunidade internacional, tem emergido claramente uma consciência dos limites dos recursos hídricos e uma distinção entre “desenvolvimento” e crescimento. Consciência que vem gerando uma série de ideias de respeito à natureza e aos recursos naturais, de uma necessária e justa solidariedade na gestão e distribuição.
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Protestos contra Belo Monte
Este quadro de mudança se reflete na legislação (nem sempre justa) em matéria de tutela, seja da água, seja do território, e o novo papel e a função dos entes e das estruturas de gestão dos recursos hídricos. Sempre mais ampla é a percepção da complexidade dos fenômenos conexos e a consciência da profunda relação existente entre as variáveis que determinam os fenômenos físicos e os aspectos socioeconômicos associados ao ciclo hidrológico.
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Degradação ambiental para energia hidroelétrica- Belo Monte
Agora, amplamente mais compreendido, as tentativas atuais são de gerar níveis satisfatórios de planejamento e gestão do recurso água, a partir de sua quantificação, no tempo e no espaço. As premissas levam em consideração o monitoramento dos componentes do balanço hidrológico, entre eles as chuvas, os deflúvios mensuráveis nas seções dos cursos de água, as perdas devido à evaporação, a identificação e a evolução dos aquíferos subterrâneos, os reservatórios superficiais, os pontos de consumo etc., mediante avaliação probabilística do comportamento do ciclo hidrológico.
Desde sempre os homens sabem que o excesso de chuva ou de seca, podem ser causa de catástrofe e, portanto, existe sempre o problema de observar, medir e compreender os eventos de chuva e os seus efeitos sobre o território. A ciência hidrológica, entre eles a engenharia, nasceu com a tarefa de estudar os eventos meteóricos e a circulação da água no ambiente.
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Enchentes podem triplicar nos próximos 15 anos.
 LP - Não seria mais sensato investir em prevenção/educação, em detrimento de mitigação de efeitos criminosos, como observamos, a exemplo do rompimento de barragens, como em Mariana, Minas Gerais?
NF - Eventos catastróficos como o que aconteceu no rio doce é o efeito colateral do “desenvolvimento”. Os governos, na sua ânsia, de promoção do “crescimento” acabam permitindo ou relaxando nas medidas de segurança, protetivas e mitigatórias. Acabam permitindo construção de barragens ou outras obras de engenharia em locais de perfil geológico incompatível.
Os processos naturais e as atividades humanas, mediante modificações calamitosas da superfície terrestre, exercem pressões insustentáveis sobre o ambiente. Os estudos de impacto ambiental acabam sendo desleixados no tocante às medidas de prevenção e mitigação.
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Rompimento da Barragem Vale/Samarco em Mariana: exemplo de descaso. Foto internet
O cuidado dispensado a estes aspectos deve estar inserido no contexto do progresso sustentável de cada território. Deve ser um modelo que se baseie no princípio de integração entre ambiente e progresso, orientado a obter critérios de equidade, precaução, prevenção, partilha das responsabilidades, reciprocidade ambiental e participação. O uso dos recursos naturais deve ser parcimonioso, especialmente, daqueles não renováveis, de modo a não danificar de maneira irreversível o patrimônio natural ou cultural. Responsabilização e participação devem serem compreendidos como métodos de educação.

LP - O que existe funcionando, de fato, mundo afora, entre instituições especializadas, para não sujar a água, que temos em abundância, como na América do Sul/Brasil/Amazônia, e pagamos caro, para limpar o que não deveria sujar?
NF -As crises hídricas recorrentes nas diversas regiões está intimamente associado ás secas, mas também, a poluição por conta da descarga de produtos contaminantes derivados das atividades humanas, seja, industriais ou agrícolas.
 O que de mais relevante, ao meu modo de ver, que existe engatinhando no mundo, é a questão do reuso de água. Embora seja um assunto cercado de preconceitos, ela é o futuro. Considerando que a água é um recurso finito e que os usos e as poluições são crescentes, não existem muitas alternativas.
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Esgotos a céu aberto contaminam pequenas nascentes
A adaptação dos cultivos para consumo de menor quantidade de água tem limitações; logo, voltar-se para o uso de águas residuais, como se fazem nos países mais áridos do mundo. É  para onde se caminha. É preciso despir-se de prejulgamentos e continuar avançando. Processos de evaporação e condensação de águas residuais é seguro. Menos precisaremos usar água de reúso, tanto quanto formos capazes de usar racionalmente a água doce disponível no planeta. Um princípio fundamental é: mais importante do que limpar é não sujar.
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Caatinga com leito seco de rio cheio de lixo
LP - O desperdício, seja público ou privado, é paradoxal, em meio a tantos desafios para garantir consumos conscientes. O que temos como exemplar, no planeta, para enfrentar isso?
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Ações educativas em exposição itinerante -Movimento AMA -Amigos do Meio Ambiente,
O desperdício é uma questão cultural; logo, em termos de desperdício entendo que as experiências internacionais nem sempre são adequadas ou adaptáveis a outras culturas. O desperdício é uma visão, às vezes sim, às vezes não equivocada, de abundância. Em muitas culturas uma forma de controle do acúmulo da riqueza para evitar a desigualdade econômica. Um antagonismo do capitalismo.

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Informações para as comunidades como instrumento de mudança



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Desperdício d’água é criminoso em meio a tanta falta
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A dona de casa anda quilômetros para arranjar um poça d’água para lavar roupa
O potlatch é o fenômeno cultural mais relevante. Era uma cerimônia dos índios americanos, na qual se praticava uma troca agressiva e perdulária de bens. Uma destruição ritual de bens acumulados como forma de demonstração de superioridade. A superioridade estava em não possuir valores maiores que os demais membros das tribos. A glória não estava na riqueza mais no desapego. Um plano simbólico de honra.
No plano prático, a concepção de agricultura ecológica é a mais importante, por que insere a reciclagem de nutrientes e na integração e harmonização dos ecossistemas. Dá dinamismo às cadeias tróficas.
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Sem agrotóxicos, agricultura orgânica respeita o solo e a saúde de quem come
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Falta de acesso á água causa prejuízos e culturas são perdidas depois de muito trabalho duro




LP - Que avaliação faz dos eventos: 02 Encontro Intercontinental sobre a Natureza, Diálogos
NF - Os eventos das organizações não governamentais precisam estar desvinculados de governos para que possam discutir os problemas da sociedade civil sem amarras. Desta forma eles se tornam  mais afirmativos, mais propositivos, mais questionadores. A dificuldade está em viabilizar grandes eventos desta natureza sem o concurso destes patrocinadores. Eventos desta natureza precisam se libertar das amarras e do controle das suas agendas de programação.
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Painel de evento com logomarcas corporativas de governo, empresas e instituições patrocinadoras, apoiadoras, parceiras.

Liliana Peixinho * - Autora da série especial de 12 matérias “SECA SERTÃO ADENTRO ” – Finalista Prêmio Jornalismo – 2013.









Tuesday, January 05, 2016

Paradoxos do discurso "sustentável"

Meio Ambiente.bahia.ba
Publicado em 08/11/2015 às 07h00. Atualizado em 08/11/2015 às 08h31.

Paradoxos do discurso “sustentável”

Liliana Peixinho
A Ciência já comprovou, e a realidade reforça, o tempo todo, que a ação humana sobre o ambiente onde se desenvolve a vida, em suas múltiplas formas, tem efeitos perversos sobre a própria existência. As informações sobre o o clima indicam a necessidade de mudança de comportamento na forma de ser. Basta parar, desacelerar, para sentir os efeitos de fenômenos extremos: furacões, enchentes, secas, tsunamis, terremotos, doenças, migrações, eventos que exigem adaptações, para garantir a sobrevivência.Ter informações sobre a origem desses problemas é condição essencial para agir com prevenção, cuidado, civilidade, respeito aos nossos limites, em tão vasto espaço de constante ebulição.
Como jornalistas, comunicadores especializados, comprometidos com os desafios, em pautas historicamente reprimidas, não podemos perder mais tempo no faz de conta que faz, sem fazer. Como formadores de opinião, colaboradores, empoderadores de vozes, buscamos novos caminhos livres, independentes, mais eficientes no realizar, sair do discurso, ir a campo aberto, para concretizar a fala. Senão, que sentido há em pesquisar, teorizar, inovar, aprofundar o conhecimento, sem que isso se aplique, de fato, nos espaços de atuação onde a vida acontece? Importante dar exemplo, mostrar atitude. O jornalismo, em crise, tende a abrir espaço para a construção de novos caminhos para as mudanças que denunciamos, diariamente.
Oportuno aqui, resgatar o sentido, o conceito, da expressão ” sustentável”, altamente desgastada, banalizada, mal interpretada, criminosamente utilizada por aí para “limpar” sujeiras escondidas. Como tudo que requer cuidado, ser sustentável é trilhar caminhos limpos, construir cadeias de produção, consumo e descarte, harmoniosas, de ponta a ponta, linkadas ao sentido do bem viver coletivo, civilizado. O trabalho de qualquer ação, projeto, “sustentável’, requer planejamento, atitude, aplicação de políticas inclusivas, de verdade. “Equidade, justiça social e equilíbrio ambiental”, princípios da Carta da Terra, exigirão de cada um de nós, a prática de atitudes de mudança no jeito de ser. Com racionalidade, inteligência, espírito colaborativo, proativismo, solidariedade, visão sistêmica, em macrocontextos. Condições que rompem com as zonas de conforto raso para reinventar, recriar, reutilizar, revolucionar…. comportamento sujo, em limpo, no seu mais alto grau de concepção.
Vemos por aí empresas, escolas, ONGs, instituições diversas, que propagam projetos ditos sustentáveis, só na forma de apresentar, vender, seduzir o outro. E o desafio está posto: garantir a vida com qualidade, prazer, alegria. O desejo de querer mudar terá que vir de dentro, da consciência, do coração, de uma alma elevada, desapegada, generosa, solidária, disposta a fazer concessões individuais, em nome do todo. Não adianta mandar, ordenar, impor, fazer de conta, representar, teatralizar. As legislações existem aí a rodo, com todas as garantias, mas sem cumprimento real. A mudança só virá quando cada um (você, eu, ele, nós, todos, cada um, em nossa casa, trabalho, escola, espaço de lazer) introjetar, no coração, alma e cérebro, a importância de se respeitar a vida, em suas múltiplas necessidades.
As grandes corporações sabem que é mais eficiente adotar estratégias de preservação, que ficar desperdiçando tempo em medir os prejuízos na matriz geradora de tudo. Mas pouco tem mudado, de fato, o modo de se produzir. O governo gasta rios de recursos em estudos, pesquisas, diagnósticos e, até, incorpora o discurso “sustentável”. Mas a prática não corresponde ao que é propagado. O que vemos é ineficiência, falta de planejamento, desperdício, em paradoxo criminoso. Temos na mesa um modelo econômico, replicado no automático, para incentivar o consumo raso, a qualquer custo, em nome de commodities, crescimento, projeção de poder político. Em paralelo, observamos desigualdade, ausência de bens de serviços, gente mal alimentada ou com fome, desemprego, doenças, insegurança, analfabetismo funcional.
Quem sabe tenhamos a oportunidade de subverter, por exemplo, a visão antropocêntrica sobre o ambiente onde se desenvolve a vida, para um olhar integral, sistêmico, onde todas as coisas formam um todo, conectados. E daí, finalmente, possamos dar saltos civilizatórios! Quem dera o jornalismo pudesse valorizar o seu papel transformador social e ajudar a construir um Brasil Limpo! Um país onde conhecimento, tecnologia e recursos naturais, potencializem, reconheçam e valorizem povos tradicionais indígenas, quilombolas, pescadores, artesãos, agricultores familiares, com olhar atento sobre o bem viver. Um país onde o dinheiro público não seja repassado a empresas, ONGs, instituições com projetos ditos “sustentáveis”, mas, como vemos, desvinculados de valores de vida em harmonia, e a serviço de um eficiente marketing promovido pelogreenwashing .
Precisamos abrir mão dos umbigos egoístas, ações imediatistas, superficiais, repetitivas, convencionais; para transgredir, subverter, quebrar regras, em nome da dinâmica natural do Universo, com renovação, invenção, criatividade, compromisso, coragem e prazer em realmente fazer a fala. Nesse caos, quem sabe, desperte um novo Humano. Um ente capaz de entender, interiorizar, no coração, alma e cérebro, que a felicidade pode estar na busca do encontro com o outro. Com respeito, limites, valorização das diferenças e prioridade em Ser, mais que em Ter.
liliana campanha permanente desde 199 D zero camisa pretaLiliana Peixinho é jornalista, ativista, especializada em Jornalismo Científico e Tecnológico.  Fundadora do Movimento AMA – Amigos do Meio Ambiente. Autora de “Por um Brasil Limpo”, livro em pílulas virtuais, publicadas nas redes sociais.

Água, vida, descaso!

Meio Ambiente.bahia.ba
Publicado em 25/11/2015 às 13h19.

Água, vida e descasos

Em crimes como o de Mariana-MG, o apoio do governo a projetos corporativos como o da Vale fortalecem o olhar desumano sobre centenas de comunidades

Liliana Peixinho

lama e mar
A política ambiental brasileira é mesmo do faz de conta que faz. Os crimes contra o nosso patrimônio natural têm proporcionado a morte em cadeia: de pessoas, animais, florestas, rios, culturas tradicionais e até de esperanças. Cada dia os desafios se agigantam. O governo e as empresas promovem práticas perversas, em discursos desconectados com a realidade. Os fatos mostram a degradação de ecossistemas que levaram milhões de anos para se formar e em pouco tempo, horas, se acabam. O discurso, a fala, os projetos, não se encaixam com a realidade, com o sofrimento, a dor e as perdas populares. Seja em territórios rurais, em comunidades tradicionais indígenas, quilombolas, pescadores, fundos de pastos, artesãos, pequenos agricultores; ou em zonas urbanas, apinhadas de famílias expulsas de seus territórios, em nome de projetos capitais.
O mercado corporativo é cínico, frio, calculista e se baseia em números. Em crimes de alta proporção como o de Mariana, em Minas Gerais, a parceria e apoio do governo a projetos corporativos como o da Vale, fortalecem o olhar desumano, lama abaixo, sobre centenas de comunidades. Sem sucesso, querem tratar como desastres, o que sabemos ser crimes ambientais gravíssimos. Seja o rompimento de barragens mal estruturadas para armazenar altos volumes de rejeitos tóxicos; seja a demora de apagar o fogo queimando a vida, na Chapada Diamantina; seja a histórica e progressiva degradação do Velho Chico, sem condições de navegação, sem mata ciliar, com bancos de areias, dejetos industriais jogados diretamente nas águas, e uma série de problemas que afetam, diretamente, a vida ribeirinha. Aqui, ali e acolá, a vida mostra-se em descaso.
Saneamento é direito garantido, mas não cumprido. As cidades são sujas, o lixo transborda como rejeitos imprestáveis, e não deveria ser. As estradas estão com suas beiras de asfalto infestadas de sacolas plásticas, garrafas pet, latinhas, e resíduos diversos, descarregados sem nenhum critério, sem nenhum respeito aos espaços de convivência. Não se tem tratamento adequado aos resíduos, coletados de forma grosseira, sem o devido valor que representam na formação de cadeias harmoniosas, em culturas dos RS – com Reaproveitamento, Reutilização, Reuso, como insumos importantes para preservar a matriz geradora de tudo. O governo não demonstra preocupação com as perdas, sucessivas, periódicas, frequentes, de diversos ecossistemas onde a vida se desenvolve. Discursa, de forma rasa, irresponsável, sem embasamento científico, sem informação de qualidade, sobre a perda de patrimônios naturais.

Vidas não se refazem por decreto ou

com reparação de danos materiais

O olhar é sobre perdas econômicas, sobre o capital, sobre volumes, recursos financeiros, traduzidos em multas bilionárias, em projetos de recuperação de sistemas complexos, perdidos em gestões mais ávidas por resultados, a curto prazo, com aumento de produção de cargas e rejeitos não compatíveis com estruturas existentes. A comunidade científica, ambientalistas, educadores, povos ribeirinhos, pescadores, ficaram perplexos com a declaração da presidente do Brasil de que o Rio Doce iria ser recuperado e ficaria melhor que antes. Como pode alguém achar que pode deletar da memória, do sangue, do coração, da alma de cada pessoa afetada, prejuízos que não se mede em valor financeiro?
Indenizar famílias, reconstruir as comunidades atingidas, reconstituir a perda da capacidade financeira de quem não está conseguindo trabalhar, do comércio afetado, repor a estrutura pública destruída, indenizar pescadores, ribeirinhos, agricultores que dependem do leito do rio, são ações mínimas que se deve fazer.  O dano econômico da interrupção do fornecimento d’água e o custo de recuperação do Rio Doce, incluído dragagem, tratamento e reinserção da fauna, em especial de todos os peixes mortos, pode até acontecer, com a responsabilidade dos criminosos.  Mas vidas não se refazem por decreto, com cheques, ou com reparação de danos materiais.
Tínhamos água limpa, rios com peixes, margens sombreadas. O Brasil sempre foi propagado como o topo da biodiversidade do planeta, e o recurso: água doce, como um bem tão abundante, quanto descuidado. Agora está tudo contaminado: por metais pesados, por lixo exposto nas ruas, por falta de educação, por desperdício, por inúmeros atos cotidianos desajustados com o cuidado necessário. Tem povo no Nordeste, como no Ceará, onde não se planta mais nem arroz ou mandioca, por falta d´água. Os caçadores de água vão cada vez mais longe buscar novas fontes para suprir necessidades antes supridas em suas próprias regiões, mesmo com muito sacrifício. Consciência de quem sempre teve pouco e sabe usar e dividir, para não faltar.

liliana campanha permanente desde 199 D zero camisa pretaLiliana Peixinho é jornalista, ativista, especializada em Jornalismo Científico e Tecnológico.  Fundadora do Movimento AMA – Amigos do Meio Ambiente. Autora de “Por um Brasil Limpo”, livro em pílulas virtuais, publicadas nas redes sociais.
TEMAS: água , crime ambiental , descaso

O cuidado de cada um

Meio Ambiente.bahia.ba
Publicado em 20/12/2015 às 06h00.

O cuidado de cada um

De que maneira, cada um de nós, em coração, alma e cérebro conectados ao bem comum, podemos, de fato, contribuir para a preservação ou degradação da vida?

Liliana Peixinho

11/12/2014- Portugal, Ao menos 269 mil toneladas de detritos plásticos flutuam na superfície dos oceanos do mundo, estimou uma equipe internacional de pesquisadores em um estudo publicado nesta quarta-feira (10) no periódico PLOS ONE. Na foto Plástico amontoado em uma praia de Açores, Portugal. Foto: Marcus Eriksen/ Algalita Marine Research Foundation
Foto ilustrativa (Site: Fotos Públicas)


Quando vejo lixo misturado em sacos por ai, expostos ao tempo, faço o filminho, na imaginação, de como cada resíduo foi ali dispensado, como “lixo”. Quando trilhamos os caminhos desses sacos e os vemos serem abertos e, dentro deles, objetos como bolsas, roupas, brinquedos, livros, misturados a frutas, legumes, papel higiênico, cocô de cachorro, latinhas, eletrodomésticos… – e isso se faz muito, por aí, por pessoas “apressadas”, “sem tempo”, “sem saco”, sem compromisso mesmo, para pensar no outro – bate uma tristeza gigante.
Tristeza e indignação, gigantes, como os desafios que a vida está a nos exigir e nos recusamos, em comodismo, egoísmo, cinismo, a fazer as mudanças de comportamento, a partir de nossas casas. Vivemos uma crise de contextos: ético, social, político, econômico, enfim, ambiental, se conseguirmos ampliar o olhar sobre o lugar e o tempo onde a vida se desenvolve, em suas múltiplas formas. Água, alimento, ar, floresta, são elementos vitais em degradação massiva, à nossa frente, em nossa casa, rua, bairro, cidade.
Quando recebo fotos, depoimentos, que registram o sofrimento do povo na Chapada Diamantina; a agonia de vida em comunidades que dependem da água de rios como o Velho Chico; de animais como os jegues, largados em estradas, como a BR 324; o desperdício de toneladas de alimentos, por aí, em restaurantes de empresas, em lanchonetes de shopping center, em selfies rasas de mesas ostentação; e associamos cada fato aí descrito com o sonho de vermos o mundo em filosofia Ubuntu: (Sou porque somos), Teko porá (Bem viver coletivo) bate um desânimo do tamanho da terra ao termos certeza do quão distante ainda estamos da civilidade em ter o outro no eu.
De que maneira nós, cada um de nós, em coração, alma e cérebro conectados ao bem comum, podemos, de fato, contribuir para a preservação ou degradação da vida? Poderíamos nos perguntar como cada uma de nossas atividades vem contribuindo para os problemas diários, que tanto nos inquieta. Uma simples ponta de cigarro jogada pela janela do carro, uma fogueirinha “inocente” pra espantar os mosquitos da trilha na mata, um prato cheio de comida para saciar a fome dos olhos sem razão, umas comprinhas além da necessidade real, um falso escutar/entender o outro, a fidelidade/cumplicidade criminosa ao amigo/família. Qual a importância de cada gesto desse, isolado, no todo?
A falta de ética, de respeito ao outro, de compromisso com acordos prévios, o uso de privilégios, a falta de decoro parlamentar, a corrupção, o cinismo, a frieza em mentir, cada coisinha ai se agigantam em desesperança, em falta de garantia de direitos. Os escândalos diários que nos envergonham em macroestruturas de poder bem que poderiam nos servir de exemplo para sentirmos vergonha de nós mesmos, em pequenos gestos sujos, por aí!

liliana campanha permanente desde 199 D zero camisa pretaLiliana Peixinho é jornalista, ativista, especializada em Jornalismo Científico e Tecnológico. Fundadora, alimentadora de conteúdos em mídias independentes como AMA, Mídia Orgânica, Rama, Reaja, Catadora de sonhos e Outro no Eu.



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