Wednesday, June 10, 2015

PROATIVISMO JORNALISTICO SOCIOAMBIENTAL x DISCURSO MARKETEIRO INSUSTENTÁVEL - GREENWASHING - Foco Tese Mestrado

OLHAR TRANSVERSAL SOBRE MÍDIAS COLABORATIVAS

ATIVISMO JORNALÍSTICO AMBIENTAL x DISCURSO “MARKETEIRO” INSUSTENTÁVEL

Liliana Sampaio de Almeida Peixinho

Trabalho apresentado como exigência parcial para obtenção do            

título de Especialista em Jornalismo Científico e Tecnológico,

Curso de Especialização em Jornalismo Científico e

Tecnológico,           FACOM-UFBA.

                                Salvador, Bahia, Brasil, Junho de 2012

Introdução  ............................................................................................................................ 03

Jornalismo colaborativo no contexto dos desafios cotidianos............................................04

Conexões, pesquisas e elos de entraves ............................................................................... 06

Ativismo ambiental em redes sociais ................................................................................... 07

Ciência para que, para quem e por que? ............................................................................ 08

Paradoxos múltiplos no campo investigativo ....................................................................  09

Mídia especializada e sustentabilidade...............................................................................  11

Discurso paradoxal  .............................................................................................................  12

Desafios e compromissos do repórter ..................................................................................12

Contribuição do jornalista especializado ..........................................................................   13

Indústria da seca e elos no paradoxo sustentável ............................................................... 16

Imprensa não fecha o ciclo da denúncia ............................................................................. 17

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Desconexões com a realidade ............................................................................................... 17

Miséria é denunciada, mas não passa disso ........................................................................ 18

Reflexões .................................................................................................................................18

Bibliografia .............................................................................................................................19

OLHAR TRANSVERSAL SOBRE MÍDIAS COLABORATIVAS

ATIVISMO JORNALÍSTICO AMBIENTAL x DISCURSO “MARKETEIRO” INSUSTENTÁVEL

Liliana Sampaio de Almeida Peixinho

Sustentável?!! [...] Nós, jornalistas, temos

obrigação de mostrar, denunciar com coragem,

responsabilidade, porque projetos ditos

sustentáveis não o são de fato. A. Trigueiro

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Introdução

Uma comunicação alternativa, especializada em meio ambiente, sem espaço na mídia

tradicional, toma forma e ganha espaço nos anos 1990-2000. Em ambiente livre,

investigativo, com articulação e mobilização, essa comunicação demanda olhar transversal

sobre ambientes onde a vida se desenvolve. Ciência, educação, economia, cultura, política,

segurança, cotidiano conversam entre si, em sintonia convergente. Esta reflexão apresenta

confluência a demandas ambientais reprimidas na grande mídia, coorporativa, cujos interesses

divergem dos espaços buscados pelo ativismo jornalístico ambiental. Proativismo aqui

identificado numa comunicação colaborativa que se fortalece em meio a publicações como

Folha do Meio Ambiente (Brasília, DF), Envolverde (São Paulo, SP), Portal do Meio

Ambiente e Revista Rebia (Rio de Janeiro, RJ), Roteiro de Lavras (Lavras, MG), Jornal

Litoral Norte e Cabula Verde (Salvador, BA), MMS (São Paulo, SP), Casas, RBJA, RBJC,

Rebea, Rebeca, Mercado Ético, Rama, AMA, Instituto Akatu, Instituto Ethos e dezenas de

outros coletivos em rede.

Produções que se retroalimentam para fortalecer o jornalismo ambiental e científico

colaborativo praticado em movimentos livres, numa sociedade civil organizada, por meio de

acolhimento, visibilidade e credibilidade, escoados em ambientes midiáticos virtuais. São

iniciativas observadas em todo o Brasil, com elos interativos locais e planetários, realizadas

por ativistas, educadores, artistas, correspondentes, moderadores e colaboradores, que

produzem, investigam e divulgam informações de forma contínua, sem vínculos ou amarras

econômicas. Com este olhar, esta reflexão mergulha em campo aberto para reconhecer

publicações socioambientais observadas, clipadas e sistematizadas entre 1980 e 2012 pelos

movimentos AMA (Amigos do Meio Ambiente) e Rama (Rede de Articulação e Mobilização

em Comunicação Ambiental), coordenados pela jornalista e ativista Liliana Peixinho e

disponibilizados no e-book Olhar Transversal sobre a Mídia. (PEIXINHO, 2012)

Contribuir para a prática de uma comunicação contextualizada em micro e

macroambientes, na busca da informação como instrumento de construção da cidadania

sustentável, motiva os objetivos desse esforço na identificação de iniciativas de jornalismo

colaborativo, ativista, e seus desafios como mídias comprometidas com o fortalecimento do

papel social do jornalismo ambiental e científico como instrumento de apoderamento popular,

democrático, da informação, com rigor ético e apuração de valor, na cadeia de produção e

publicação.

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Segue nesse propósito para verificar como jornalistas trabalham, focam, pautam,

escrevem e divulgam temas onde comunidades tradicionais e sua relação estreita com a

preservação da biodiversidade e da identidade brasileira reforcem conexões cidadãs. Propõe,

assim, uma reflexão na perspectiva de que a divulgação de informações pelo jornalismo

ambiental e científico se efetive para a democratização e socialização da ciência e tecnologia

(C&T) como instrumento de poder, transformação e acesso livre a informação de qualidade.

E, com este compromisso, resgatar e promover a riqueza biodiversa em ambientes

degradados, explorados, sem contrapartidas sustentáveis, harmoniosas.

Jornalismo colaborativo no contexto dos desafios cotidianos

Uma nova ordem mundial está colocada para cada cidadão, planeta Terra adentro.

Promover o bem-estar de quem produz, de quem consome, e garantir a conservação da matriz

natural, revela-se desafiador. Onde e como o jornalismo ambiental colaborativo se insere

nesse contexto? Para responder, consideramos, neste trabalho, ser mais importante que

quantificar, ser sensacionalista ou alardear os efeitos negativos provocados pela ação humana

nos ambientes de convivência, em meio às catástrofes, descuidos, desperdícios, gestões

ineficientes, mostrar que está faltando ao ser humano entender, interiorizar, absorver, no

coração, na alma e no cérebro, que a felicidade de ser, existir, viver, pode estar na busca do

encontro com o outro, do meu para o nosso. Solidariedade, voluntariado, ativismo cidadão,

altruísmo, são palavras fundamentais neste cenário. Mais do que consumo por status,

civilizado deve ser usar por necessidade de preservar a vida, em risco diário.

Nos últimos 25, 30 anos, a mídia, de modo geral, tem pautado a questão ambiental de

forma quantitativa. No entanto, o caráter alarmista, sensacionalista e catastrófico, tem

superado o compromisso com informações qualitativas, preventivas, educativas, diante dos

desafios impostos pelas mudanças e adaptações necessárias à preservação da vida, num

planeta em constante mutação. A conferência mundial Rio+20 (ONU, 2012), realizada pela

Organização das Nações Unidas (ONU), foi muito criticada pelos movimentos livres da

sociedade civil, como a Cúpula dos Povos na Rio+20, (BRASIL, 2012) diante de propostas

focadas em “economia verde”, “mercado verde”, fora de sintonia com os desafios históricos

da humanidade, como o combate à fome, à pobreza e ao desperdício, junto com a preservação

de recursos naturais. O conceito “sustentabilidade” está em xeque, diante da necessidade de

ações reais para conteúdos ligados a preservar, resgatar, reconhecer e promover a vida, de

forma integral e contextualizada. Valor que requer compromisso com modelos de

desenvolvimento que não sejam “ecologicamente predatórios, socialmente perversos e

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politicamente injustos”, (ONU, 1992) conforme descrição da ONU para o conceito, durante a

Conferência Internacional sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio 92.

Na cadeia de valor da vida, e não do conceito como marketing vazio, a informação

transversal, sustentável, quer aprofundar o olhar sobre os diversos processos produtivos que

envolvem investigação, sistematização e divulgação de notícias, fatos e opiniões que

percebem meio ambiente como espaço aberto, plural, diversificado. No livro Jornalismo

Científico e Desenvolvimento Sustentável, de Cilene Victor, Graça Caldas e Simone

Bortoliero, as pesquisadoras, professoras do primeiro curso de jornalismo científico e

tecnológico da Bahia, implantado pela Faculdade de Comunicação da Universidade Federal

da Bahia (Facom-UFBA) reforçam a tese de que “meio ambiente é o complexo de relações,

condições e influências que permitem a criação e a sustentação da vida em todas as suas

formas”. Complexidade interativa justificada no argumento de que meio ambiente “não se

limita apenas ao chamado meio físico ou biológico (solo, clima, ar, flores, fauna, recursos

hídricos, energia, nutrientes, etc.), mas inclui as interações sociais, a cultura e as

expressões/manifestações que garantem a sobrevivência humana (em política, economia,

etc.)”. (BUENO apud VICTOR; CALDAS; BORTOLIERO, 2009, p.103)

Referências citadas para a defesa de um jornalismo ambiental com ações conjuntas,

transversais e contextualizadas nos desafios de produção e consumo de forma harmoniosa.

Jornalismo com informações que valorizem a formação de cadeias produtivas de ponta a

ponta, da fonte ao leitor, para o desenvolvimento sustentável. O e-book Olhar Transversal

sobre a Mídia, um dos produtos apresentados no final do curso de jornalismo científico e

tecnológico da Facom-UFBA, condensa publicações com esse foco.

Nesse contexto de aprofundamento de valor da informação, destacamos pesquisas realizadas

pelo professor Wilson da Costa Bueno sobre o conceito de desenvolvimento sustentável,

explicitado em 1987 pelo Relatório Brundtland, sob a responsabilidade da Comissão Mundial

de Meio Ambiente da ONU, instituída pela Assembleia Geral das Nações Unidas: “Ao longo

desses 25 anos, ele tem sido apropriado por governos, empresas e entidades, que o

contemplam a partir de interesses empresariais ou políticos, muitas vezes com objetivo para

legitimar ações e posturas nem sempre adequadas ou éticas” (BUENO, 2008). A análise de

Bueno aprofunda o debate entre comunicação e sustentabilidade e expande a crítica sobre

“uma visão reducionista, comprometida com uma perspectiva meramente econômica, quando

difundiu uma acepção equivocada do conceito de desenvolvimento, que acabou sendo

confundido com o de crescimento econômico” (ibidem). Visão estreita que tem merecido a

crítica severa de especialistas, notadamente daqueles que insistem em pensar o

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desenvolvimento de maneira mais abrangente, como José Eli da Veiga (2007), Boaventura

Santos (2005), Celso Furtado (1996) e outros incomodados com a sua redução a indicadores

econômicos como o PIB (Produto Interno Bruto), que, além de não resgatarem a integridade

do conceito, o desvirtuam.

Conexões, pesquisas e elos de entraves

Desse olhar surgem percepções sobre a conexão que podemos estabelecer entre

pesquisa, inovação, jornalismo científico e sustentabilidade, de forma transversal. O discurso

exposto na mídia por consultores e especialistas parece desconectado da realidade, na qual

projetos ditos sustentáveis maquiam cenários frágeis, diante do que, como, quanto, onde e

para quem se produz.

No artigo Pesquisa, Inovação e Jornalismo Científico, o professor Wilson da Costa

Bueno reforça esse enlace político-econômico quando expõe, com propriedade, que o

pesquisador brasileiro é competente, que há centros de excelência em C&T em nosso país,

grupos de pesquisa ativos e que se inserem “magnificamente” no cenário internacional, mas

que “estamos ainda muito distantes do ideal”. (BUENO, 2012) Responde, também,

questionamentos sobre quais as razões que justificam esse quadro: “Muitas, infelizmente. Em

primeiro lugar, porque, no fundo, o incentivo à pesquisa, e sobretudo à inovação no Brasil, é

assistemático e está à mercê de autoridades que, sem foco, sem política efetiva (apesar do

discurso e de ações meramente midiáticas), não conseguem criar um ambiente favorável a

médio e longo prazos”. (BUENO, 2012) Destaca que pesquisa “precisa de tempo, de

maturação, planejamento, capacitação permanente e, é lógico, precisa de recursos”. (ibidem)

No nosso papel aqui, de focar a distância entre o que se diz que faz, o que se faz, e o que

realmente não tem sido feito, necessário se faz reforçar os argumentos do pesquisador Wilson

da Costa Bueno, como umas das referências de nossos estudos, quando diz: “Apesar de os

governos proclamarem a inovação como uma necessidade, uma prioridade, na prática isto está

longe de acontecer. As dificuldades interpostas pelos governos ao investimento das empresas

privadas em pesquisa e desenvolvimento (P&D) são enormes e incluem custos de

financiamento elevados, alta carga tributária, juros que tocam as nuvens, burocracia obscena e

por aí vai. As empresas públicas de pesquisa recorrentemente estão às voltas com crises,

salários baixos para pesquisadores e corpo técnico, e muitas vezes se tornam reféns de

decisões políticas que travam o processo de investigação”. (ibidem)

Estaria aí, nesse modelo perverso de relações de poder, corajosamente exposto por

Bueno, (ibidem) a origem de alguns entraves sociais, ao se perceber que no setor empresarial

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identifica-se resistências para mudanças de práticas atreladas ao modelo de desenvolvimento

pós-Revolução Industrial, no qual o crescimento a qualquer custo é confundido com

desenvolvimento e sustentabilidade? O jornalista Ricardo Voltolini, criador da Plataforma

Liderança Sustentável, difundida a partir de 2010 em ambientes corporativos em todo o Brasil

e fora dele, pode nos responder quando argumenta: “Não dá mais para articular

unilateralmente e vender um discurso bonito e conveniente de preocupações socioambientais,

sem antes resolver os dilemas e contradições intrínsecos aos negócios, justamente os que

insistem em puxar a corda no sentido contrário. Antes, é preciso fazer a lição de casa. E bem

feita. A sociedade está mais atenta. E as organizações que a defendem, muito mais on guard”.

(VOLTOLINI, 2011a)

Na Plataforma Liderança Sustentável, Voltolini promove a visão integrada de gestão

em ambientes corporativos, com a aceitação de quem mais tem resistido em promover

mudanças que possam garantir a sustentabilidade de fato: as organizações empresariais. Por

meio de palestras realizadas em diversos estados do Brasil e no exterior, Voltolini usa

depoimentos de lideranças empresariais de peso em ações socioambientais, para formar novos

valores, com os quais a liderança horizontalizada, com “ecosofia”, pode chegar a ações

sustentáveis. A ousadia em inovar no meio corporativo credenciou Voltolini para expor, em

suas palestras, a diferença entre greenwashing e sustentabilidade real. Desafio que merece

atenção no acompanhamento da Plataforma Liderança Sustentável.

Ativismo ambiental em redes sociais

As mídias livres ocupam, com velocidade tecnológica, espaços democráticos,

interativos, construídos a partir de ações individuais para coletivas, em redes. O exercício

dessa comunicação interativa ganha força em ações colaborativas, voluntárias, proativas,

articulada em redes, proporcionadas pela internet, em ferramentas móveis, como celulares,

tablets, lap tops, filmadoras. São tecnologias que fortalecem mobilizações populares de

insatisfação social local, como em Salvador, Bahia, com os movimentos Avança Salvador,

Movimento Amigos do Meio Ambiente, Desocupa, Xô Corrupção, Rama, UFB@migos,

Jornalistas com Letra Maiúscula, Pérolas da Mídia, dentre outros. Ou no Brasil e mundo

afora, como a Primavera Árabe, os Indignados, Veta Dilma, Seca no Nordeste, Ficha Limpa.

Movimentos horizontalizados em redes sociais, que pautam, investigam e compartilham

informações para o enfretamento dos regimes do Norte da África, ditaduras das finanças na

Europa, capitalismo norte-americano, manifestações contra corrupção no Brasil e outros

países, até dicas e receitas domésticas contra o desperdício de alimentos, água, energia,

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reaproveitamento de resíduos, com arte, geração de renda, inclusão, cidadania. Ativismos que

amadurecem movimentos sociais e fazem surgir novas formas de comunicação espontânea,

livre, que fortalecem manifestações contra problemas históricos: injustiça, desemprego, fome,

violência, insegurança, desigualdade. O movimento por uma mídia livre, por exemplo, tem

forma, força e poder, pauta, discute e abre espaços em agendas planetárias, como a Cúpula

dos Povos na Rio+20. (BRASIL, 2012)

O papel da ciência, do jornalismo científico e ambiental no processo de

democratização da informação, é reforçado com essas interações em redes virtuais, geradoras

de manifestações populares no contexto insustentável da política macroeconômica e dos elos

entre ciência e poder. Esta interação pode transitar entre superficialidade, sensacionalismo ou

compromisso com a informação. Em sua página no Facebook, o professor Wilson da Costa

Bueno revela essa liberdade de uso, e tanto pode postar a foto do casamento de sua filha,

como valor familiar, como publicar notícia “bomba”, que compartilho aqui, sobre as relações

de poder entre ciência e capital financeiro, vindas por meio da replicação, em post coment, da

denúncia feita no artigo Silêncio Ensurdecedor: a Corrupção Acadêmica Existe, escrito por

Charles Ferguson, publicado na caderno Ilustríssima do jornal Folha de S.Paulo e

originalmente no jornal britânico The Guardian, no qual o autor revela a relação entre a área

acadêmica e os grandes interesses privados. Wilson analisa o texto dizendo: "Meia dúzia de

firmas de consultoria, vários birôs de palestrantes e diversos grupos de lobby de setores

diferentes mantêm grandes redes de acadêmicos de aluguel, com o objetivo de defender os

interesses desses grupos em discussões sobre políticas e regulamentação".

Ciência para que, para quem e por que?

O criador do curso de jornalismo ambiental da PUC-RJ, autor dos livros Mundo

Sustentável - Abrindo Espaço na Mídia para um Planeta em Transformação, Meio Ambiente

no Século 21 e Espiritismo e Ecologia, André Trigueiro, responde indagação da repórter

Liliana Peixinho, em entrevista para a Rede de Articulação e Mobilização em Comunicação

Ambiental (Rama), em dezembro de 2010: “Temos uma ciência, que, por vias não lineares,

ajuda a gente, ou a humanidade, a prestar mais atenção no valor do meio ambiente, da

natureza. Vamos dar o exemplo da Conferência de Nagoya, em que, pela primeira vez, se

apresentou um estudo valorando os serviços ambientais”. Trigueiro pontua a questão,

objetivamente, quando questiona: “Quem fez esse estudo estava interessado em quê? Em

sensibilizar empresários para que corroborassem a favor de um tratado internacional, em que

se realizasse um movimento em favor da retirada sustentável dos recursos, respeitando a

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capacidade de suporte dos ecossistemas. Então, é preciso que cada um, com suas ferramentas

metodológicas, com sua visão de mundo, possa contribuir para um novo modelo de

desenvolvimento, que é o que interessa”. (PEIXINHO, 2010)

Paradoxos múltiplos no campo investigativo

No ativismo jornalístico ambiental, observamos desafios em campo, com paradoxos

múltiplos entre o discurso e a realidade cotidiana, no próprio campo da comunicação.

Importante trazermos aqui, neste contexto, a reconstrução de valores para a preservação da

vida em ambientes fragilizados, identificados na cidade de Salvador, no Estado da Bahia, e

nas regiões Nordeste e Norte do Brasil. Urgente também é focar problemas sérios como o da

pior seca dos últimos 40 anos de forma contextualizada. A imprensa corporativa não

aprofunda os efeitos negativos da seca na Bahia em 2012, ligados a conceitos sobre

comunidades tradicionais como multiplicidade de comportamentos, línguas, etnias, saberes e

modos de vida presentes na singularidade multicultural brasileira. Conceito que apesar do

reconhecimento legal, em fevereiro de 2007, com a Política Nacional de Desenvolvimento

Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais (BRASIL, 2007), parece não ter se

efetivado, de fato, junto aos povos que resistem, sofrem e morrem para manter tradições. Ao

se observar como vivem alguns coletivos em comunidades das regiões Norte e Nordeste, em

zonas rurais, e até nos grandes centros e cinturões urbanos de grande concentração de miséria,

em campo jornalístico investigativo voluntário e livre, como dos movimentos AMA e Rama,

constatamos que a foto bonita, do marketing sustentável vazio, empresarial e governamental,

não cai bem com a realidade local, nativa. Evidências que fortalecem o paradoxo entre o que

se publica como sustentável e o que se vê no cotidiano das ruas, escolas, hospitais,

residências, estradas, trânsito, como literalmente insustentável.

O campo investigativo é o ambiente de trabalho gerador de informações. Trago aqui

descobertas que fiz durante as aulas do curso de jornalismo científico, na disciplina história da

ciência, ministrada pelo professor Olival Freire, para demonstrar a importância desse processo

no exemplo do pesquisador Charles David Keeling, pioneiro em estudos sobre mudanças

climáticas, que gostava de experiências químicas ao ar livre. Suas atitudes causaram uma

revolução no pós-doutorado do Instituto Tecnológico da Califórnia, Estados Unidos, no anos

1950, ao relacionar fatores externos, de campo aberto, com experiências laboratoriais,

fechadas. “Como gostava da vida ao ar livre, terminou se envolvendo com trabalhos que

deveriam ser conduzidos do lado de fora do laboratório. Seu obstinado trabalho de

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monitoramento ao ar livre foi logo reconhecido, tornando-se algo muito maior e mais

importante do que todas aquelas baboseiras comerciais que detestava”. (COSTA, 2005)

Keeling, ou Dave, como carinhosamente era tratado – assim como Fritjof Capra, Wilson da

Costa Bueno, André Trigueiro, Dal Marcondes, Vilmar Berna, Silvestre Gorgulho, Simone

Bortoliero, Washington Novaes, Cilene Victor –, ousa defender o ambiente, a vida, as

pessoas, e tudo que nos cerca, de uma forma cuidadosa, detalhada, onde tudo tem a ver com

tudo, de forma transversal, integrada. O papel da comunicação é discutido como instrumento

de poder e construção da cidadania. Nesse contexto André Trigueiro (PEIXINHO, 2010), diz:

“Não há problema mais delicado para o meio ambiente, hoje, que o da comunicação. Só ela

pode retirar as chamadas questões ambientais do gueto em que estão colocadas (fazendo de

conta que são isoladas, apartadas) e levar a sociedade a entender que todas as ações humanas

têm impactos sobre o concreto – a água, o solo, o ar, os seres vivos”. Concordando com

Trigueiro, reforçamos a tese de que tudo o que se relaciona com o meio ambiente precisa

permear qualquer discussão econômica, política, social, ambiental. Em todas as áreas. Da

mesma forma, difundir a ideia de que “precisa estar no início e no centro de todas as políticas

públicas e de todos os empreendimentos privados, para que os impactos possam ser avaliados

previamente, eliminados, minimizados, e tenham seus custos atribuídos a quem os gera, e não

a toda a sociedade. Mas é raro que a comunicação siga por esse caminho”. (NOVAES apud

TRIGUEIRO, 2005, p.15)

Mídia especializada e sustentabilidade

Aprofundar, rediscutir o papel da mídia especializada em comunicação e

sustentabilidade é desafio quando se tenta perceber as formas de atuação do jornalismo

ambiental colaborativo, ativista, no paradoxo entre sustentabilidade e discurso “marketeiro”.

Ativismo que trabalha o conceito de transversalidade da informação com o compromisso de

divulgar, difundir, socializar o conhecimento, a ciência, junto aos interesses entre defesa de

ambientes fragilizados versus exploração predatória. O e-book Olhar Transversal sobre a

Mídia (PEIXINHO, 2012) condensa publicações que envolvem comunidades tradicionais,

territórios excluídos, caos urbano, denúncias de exploração do capital político-econômico que

confunde crescimento a qualquer custo com desenvolvimento sustentável. Registra, também,

exemplos positivos de autossustentação comunitária em comunidades indígenas do sul da

Bahia, como exemplo de que pode dar certo quando o protagonismo comunitário ocupa

espaços em confrontos político-econômicos.

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A visão transversal defendida por Trigueiro exige compromisso de uma comunicação

sem espaço na mídia corporativa. Programas ditos “sustentáveis” são apoiados por

patrocinadores cujas atividades são foco de críticas, denúncias e falta de compromisso ético,

com alianças paradoxais. Que espaços a mídia estaria abrindo para um mundo sustentável?

Compensar pegadas ecológicas de peso por meio de neutralização de emissões de carbono,

plantando mudas de árvores, de forma simbólica, pode ou deve ser computado para dar

crédito a um “produto” como sustentável? Para ser sustentável não se presume respeitar,

integralmente, toda a cadeia de produção, de ponta a ponta, de forma harmoniosa, cuidadosa,

com mudanças de hábitos dos próprios jornalistas durante o processo de apuração da

informação? Onde podemos ver, observar, registrar uma redação sustentável? Isso seria, é, ou

poderá ser, possível? Como, quando, em que medida? As experiências em campo real

apresentam descompassos nesse processo: ou perde o profissional que se arrisca demais, ou

perde o ambiente, quando o pessoal e o profissional prevalecem. O que poderia caracterizar-

se como injustiça socioambiental, perseguição de mercado, intolerância capital, ou qualquer

outra designação que identifique pessoas, profissionais, ambientalistas, jornalistas,

educadores, comunicadores que lutam contra o greenwashing por compreender de forma

profunda o valor e não o conceito de sustentabilidade?

A percepção do paradoxo entre o “pintado de verde” e o ativismo colaborativo com

foco em mídia e meio ambiente pode ser observado numa realidade que denuncia fatos

contrários aos discursos institucionais, políticos, empresariais, e mesmo das ONGs, que se

apoderaram do papel do governo para captar recursos e funcionam como tripé de um poder

envolto em escândalos sobre desvios e mau uso de recursos alocados para projetos e ações

sustentáveis. A coragem de expor o jornalismo ambiental de “fachada”, conforme Wilson da

Costa Bueno, “repete a mesma hipocrisia observada na divulgação das ações pontuais de

responsabilidade social, rotulando como sustentáveis práticas condenáveis, como as que estão

relacionadas com o uso intensivo de agrotóxicos na agricultura. Imagina que será possível,

como apregoam os arautos da biotecnologia (certamente a serviço das multinacionais das

sementes) matar a fome do mundo com os transgênicos, não percebendo que o compromisso

maior (único?) destas corporações é com os acionistas e com o aumento dos lucros. Gostam

de ‘royalties’, não da vida”. (BUENO, 2008)

Discurso paradoxal

As evidências de fatos reforçam o paradoxo do discurso sustentável. A harmonia entre

dizer que faz e fazer é aprofundada pela “ecosofia”, prática divulgada pelo publisher da

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revista Ideia Sustentável, Ricardo Voltolini, na Plataforma Ideia Sustentável. Em seu livro

Conversas com Líderes Sustentáveis – O que aprender com quem fez ou está fazendo a

mudança para a sustentabilidade, um dos desafios expostos, o do campo filosófico, é a

necessidade de “colocar a ética no coração dos negócios. São muitas as barreiras para a

adoção de uma perspectiva mais ética nas companhias, especialmente por causa do

acirramento da competição, da necessidade de fazer mais com menos e com visão indulgente,

porém culturalmente tolerada, de que no jogo do business as usual os fins justificam os

meios. Será? Provavelmente, esse é um dos dogmas mais decadentes nestes tempos de

ascensão do conceito de sustentabilidade e dos valores que ele implica”. (VOLTOLINI,

2011b, p.28)

Desafios e compromissos do repórter

É reclamação comum do jornalismo que o processo de apuração de informações na

mídia tradicional, corporativa, é burocrático, apressado e superficial. As pautas não têm

compromisso profundo com a investigação e repórteres podem se tornar meros cumpridores

de pautas, instrumentos de intermediação de poder. É um jornalismo que não abre espaço para

priorizar informações que liguem meio ambiente com o resgate das raízes da formação do

povo brasileiro, onde a identidade deva ser valorizada, em forma e conteúdo, para justificar o

uso do termo sustentabilidade. Observemos o que diz o professor Wilson da Costa Bueno:

“As questões ambientais, para esses segmentos da mídia, só podem (e devem) ser resolvidas

por uma elite, os especialistas, com a exclusão correspondente dos menos favorecidos, os que

não têm voz, como os povos da floresta, os agricultores familiares, os atingidos pelas

barragens, os pescadores, os mateiros e todos aqueles que não dominam o discurso

competente dos que se encastelam em ambientes refrigerados e veem apenas, em seu egoísmo

intelectual, o seu próprio umbigo, sua carreira, sua promoção pessoal”. (BUENO, 2008)

Contribuição do jornalista especializado

Nessa ótica, interessa abordar como a mídia especializada, e dentro dela, como o

jornalista, em equipe e/ou individualmente, pode, ou não, dar a sua contribuição para a

transversalização da informação dentro do papel que lhe cabe como difusor, propagador de

mídia especializada em sustentabilidade. Até onde cada um tem ido, feito, mudado, nos

mínimos e importantes gestos cotidianos?. “E, nessa contribuição, como você observa o papel

do jornalista nos seus mais diversos campos de atuação, na transversalizacão sobre a visão de

mundo, para o resgate de valores humanos, espírito solidário, mudança de comportamento

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com relação ao consumo para um planeta mais cidadão?”. (PEIXINHO, 2010)

Importante aqui contextualizar meio ambiente e transversalidade no pensamento

sistêmico do físico e educador Fritjof Capra na apresentação do livro Mundo Sustentável, de

André Trigueiro: “A preocupação com o ambiente não é mais apenas uma dentre várias

questões. É o contexto em que se desenvolve todo o restante – nossas vidas, nossos negócios,

nossa política”. (TRIGUEIRO, 2005, contracapa) Na análise que faz do livro, Capra diz: “Em

suas análises e discussões, Trigueiro mostra que a proteção ambiental é uma empreitada que

transcende todas as diferenças de raça, cultura, classe, que a Terra é nosso lar comum e que

criar um mundo sustentável é nossa tarefa comum”. (ibidem) Após entender as observações

de Capra, contextualizamos as observações sobre a necessidade do olhar jornalístico ampliado

reforçando o que ainda se ressente, quando Trigueiro responde indagação da repórter Liliana

Peixinho sobre o papel do jornalismo nesse contexto: “Eu entendo jornalismo como duas

frentes de trabalho que não se excluem, pelo contrário, são complementares: denunciar o que

está errado, sinalizar os rumos, as saídas, as alternativas, opções inteligentes em favor da

vida”. (PEIXINHO, 2010)

Quando lemos as observações de outro jornalista, experiente na área de

sustentabilidade, Dal Marcondes, podemos entender melhor a necessidade desse olhar

contextualizado: “Os grandes desafios do desenvolvimento passam pelo conhecimento. Ele é

fundamental para que os cidadãos possam, em seu cotidiano, tomar decisões”.

(MARCONDES, apud TRIGUEIRO, 2005, contracapa) Desafio difícil quando observamos

uma comunicação atrelada ao poder político de manutenção da ignorância, e outro jornalismo

em plantão full time, em eterno dead line, sem estruturas de retaguardas, e fincado em

princípios éticos que dificultam alianças com quem está a fiscalizar, observar, denunciar.

Mas, importante perseguir o que o jornalista Marcondes, fundador da Envolverde, coloca:

“Cada um tem de compreender que é parte de um todo e que qualquer solução deve,

necessariamente, envolver cada indivíduo. A cidadania passa, também, por um jornalismo

sem adjetivação. Não é jornalismo ambiental, econômico ou esportivo. É apenas jornalismo”.

Ao considerar que jornalismo científico e cidadania têm em comum a necessidade da

promoção da informação como instrumento de poder e transformação, precisamos ter

consciência de que vivemos num mundo globalizado, transparente, vigiado, controlado,

impossível de se escamotear informações. Nesta conexão entre o proativismo de ações

individuais e elos com o paradoxo sustentável, observamos produções veiculadas no ambiente

globosférico interativo virtual e presencial. É nesse desafio que vemos o protagonismo

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jornalístico cidadão blogosférico assumindo compromissos que deveriam ser da ciência.

Observamos o que aprofunda o artigo Crescimento econômico, meio ambiente e

sustentabilidade social, publicado no site Mercado Ético, quando aborda “as

responsabilidades dos cientistas”. Segundo o autor, Hugh Lacey, (2009) “a

identificação da ciência com a tecnociência, e, assim, a virtual exclusividade da

pesquisa conduzida dentro da abordagem descontextualizada, reforçada pelos

valores do progresso tecnológico, fundamenta uma visão inadequada da

responsabilidade dos cientistas, qua cientistas. De acordo com esta visão

inadequada, é comum dizer que a crise ambiental e a desigualdade na distribuição

dos benefícios derivados da ciência não fazem parte da responsabilidade dos

cientistas enquanto tais, e que em problemas de aplicação a responsabilidade dos

cientistas é apenas fornecer conhecimento objetivo para a criação de aplicações, em

princípio imparcialmente em relação a perspectivas de valores. Como o

conhecimento é realmente usado não é responsabilidade dos cientistas, já que isto

está fora de seu poder, e os cientistas nada podem fazer se aqueles que têm o

poder para utilizar o conhecimento científico, por exemplo, governos e grandes

corporações, o fizerem de forma que não concorde com a neutralidade. Isto não é

suficiente. Eu sugiro que faz parte da responsabilidade dos cientistas perceberem as

condições socioeconômicas da produção do conhecimento científico e do espaço de

alternativas, e garantir que, quando o conhecimento científico é aplicado, todo

conhecimento relevante seja gerado e considerado – e, quando não for, insistir que

mais pesquisas sejam realizadas, ou (pelo menos) não emprestar a autoridade da

ciência a propostas que não foram pesquisadas adequadamente”.

Sustentamos o que sinaliza Lacey quando diz que os cientistas: “[...]tentam identificar

– através de deliberações democráticas (em que alguns prevêem que os novos arranjos podem

surgir dialeticamente das práticas dos movimentos populares e de seus aliados – arranjos

sociais em que um novo equilíbrio se torna possível entre a sustentabilidade e as atividades

econômicas que servem o bem-estar humano.”. (ibidem)

A referência de Lacey reforça faces de um jornalismo ambiental ativista colaborativo,

que observamos em grupos, redes, listas, que se retroalimentam em ambientes virtuais para

reais, pessoais, face a face, em praças públicas, shopping centers, shows, passeatas,

manifestações públicas, contra consumo exagerado, desperdício, uso indevido de recursos

públicos, falta de investimento em infraestruturas necessárias à garantia de direitos

propulsores da cidadania. Se sustentabilidade, por conceito, pressupõe harmonia entre

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produção e consumo, na escala de valor o que sinaliza como dominante é o capital. Uma

mídia especializada em meio ambiente e sustentabilidade mostra, faz, cumpre o seu papel

mobilizador, articulador, comunicador, diante de sinais do mal-estar humano. É no paradoxo

discurso versus realidade cotidiana que a vida exige novas formas de produção e consumo

para as adaptações necessárias em ambientes desregulados em sua origem.

Observamos um jornalismo proativo, apaixonado, comprometido, ligado e preocupado

em reforçar a informação como instrumento, ferramenta, caminho para compreensão

contextualizada dos fatos, de forma sistêmica. Tarefa para jornalismo ambiental? As

replicações em diversos sites e blogs da entrevista especial concedida pelo jornalista

especializado em comunicação e sustentabilidade, André Trigueiro, reforça, de novo, a

distância entre pauta e publicação, mas levanta novo olhar acadêmico sobre estruturas de

editorias nas redações, tradicionais ou novas, virtuais. “Concordo com a tese de que a gente

não precisa de uma editoria de meio ambiente. Eu não sou jornalista ambiental, isso me

coloca num gueto em que não me sinto confortável”. (PEIXINHO, 2012)

É assim que muitos jornalistas que atuam com essa visão transversal se reúnem e

formam grupos, listas, eventos sobre jornalismo ambiental. E é típico do jornalismo, criar,

inventar, categorizar, rotular atitudes, comportamentos, ações, editorando-as. O que

chamamos aqui de jornalismo ambiental ativista surge como contraponto à prática adotada

pela mídia oficial cotidiana. Desafio posto para quem acredita em escolhas e procura entender

e enfrentar adversidades para atuar na sociedade. “O jornalismo ambiental em nosso país

enfrenta inúmeros desafios. Eles se iniciam no processo de capacitação do jornalista que irá

trabalhar na área, se multiplicam nos veículos da grande imprensa e estão associados,

inclusive, à própria percepção de seu papel por determinados segmentos da sociedade”.

(BUENO, 2008). Desafios que Bueno vem expondo com coragem ao levantar questões que

colocam a sustentabilidade em xeque diante da superexposição do termo cujo conceito anda

distante da necessidade de ajudar o próprio ser humano a compreender, reconhecer, identificar

e mudar comportamentos que desestabilizam sintonias entre ser e ter.

James Lovelock pode ajudar na compreensão dessa simbiose quando diz:

“Compreender o ambiente como um todo, para preservar a vida, e não o planeta, que com

certeza terá suas forças naturais para vencer os estragos nele provocados”. (LOVELOCK,

1996, p.44). Foco que se reforça como pauta na mídia, diante do que expõem especialistas

sobre a “necessidade de imprimir um ritmo mais acelerado à redução do impacto ambiental

em atividades produtivas e dos produtos e si. Vimos que os avanços tecnológicos não se

mostram suficientes para garantir um desenvolvimento sustentável, se for mantida a postura,

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predominante, de tentar controlar a poluição com base em medidas do tipo fim de tubo”.

(KIPERSTOK et al., 2002, p.44)

Indústria da seca e elos no paradoxo sustentável

O paradoxo entre o discurso da sustentabilidade, difundido em propaganda maciça nas

redes de televisão e outras mídias é  reforçado aqui com análises de especialistas que

denunciam a farsa do discurso “marketeiro” em ações ditas sustentáveis.

Depois de desconsiderar estudos, previsões, diagnósticos, pesquisas científicas,

indicadores de ciclos climáticos, para a execução de projetos, ações, programas com

planejamento e prevenção, as articulações políticas se fortalecem para a liberação de recursos

emergenciais, próximo às eleições, para amenizar perdas humanas e econômicas, na

agricultura, saúde, habitação, meio ambiente, estradas e infraestrutura de forma geral. Dos

417 municípios da Bahia, mais da metade, cerca de 240 prefeituras, solicitaram o “decreto de

estado de emergência”. Utilizada como moeda de troca forte no cenário de eleições

municipais, a água, motivo do sofrimento nordestino na resistência aos efeitos negativos da

seca, recebe injeção gorda de recursos por meio de ações como o Programa Água para Todos.

(BRASIL, 2011) Mas os desvios e desperdícios são ações poderosas no quadro de miséria,

capitalizado pela velha e perversa política coronelista, que só mudou de nome, para a garantia

de votos. As perdas culturais, pessoais, psicológicas se multiplicam, rapidamente, em cadeias

sucessivas. Neste cenário, mais de dois milhões de pessoas fragilizadas, sem saídas,

engrossam as filas para se curvar e receber migalhas, em cestas básicas, remédios, jogos de

camisas de futebol, consultas médicas apressadas, para se fazer de conta que são cuidadas. O

grande projeto político é a capitalização dos votos, em sistemas históricos de exploração,

herdados do clientelismo, atualmente travestido de política inclusiva. Associações, sindicatos,

ONGs e coletivos diversos integram um engendrado sistema de captação de recursos,

construído em representações de cargos políticos para disputar editais forjados, processos

seletivos escamoteados, e contratação de consultorias técnicas de controle dos recursos.

É nesse contexto que o uso da água entra como moeda de troca. A capitalização

política da miséria nordestina e baiana foi exposta por Josué de Castro como o “Nordeste

inventado”, na obra Geografia da Fome (CASTRO, 1984). Ao inserirmos a discussão sobre o

acesso a água e outros direitos básicos não assegurados, observamos a Bahia com os menores

índices de IDH (Índice de Desenvolvimento Humano).

Imprensa não fecha o ciclo da denúncia

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No seu papel de transformação social por meio da informação investigada, checada, a

imprensa, além de denunciar, deveria acompanhar, com maior assiduidade e detalhes, os fatos

que envolvem uma notícia. Mas o jornalismo apressado não consegue fechar o ciclo das

denúncias de ponta a ponta. Não faz acompanhamento na frequência e velocidade necessárias

às mudanças, muito menos credencia fontes que possam alimentar esse processo. Na matéria

especial Os Novos Messias do Sertão, publicada na revista Época, Bernardino Furtado (2012)

chama atenção para os horrores da miséria humana no flagelo da seca, ocupando espaço

investigativo sobre a “Água como moeda”. Mas logo outra pauta ocupa espaço e tempo para

transformar o especial em factual.

Desconexões com a realidade

É histórica a desconexão entre discurso político e ambiente de captação de votos via

indústria da seca, e a população que mais sofre e precisa de água acaba não tendo acesso aos

recursos. Por meio do jornalismo investigativo, ativista, comprometido com os fatos,

observamos que cidadãos são enganados com migalhas tipo um carro-pipa para o consumo de

dezenas de famílias numerosas, que têm que racionar, repartir, para resistir à seca criminosa,

pois a falta de chuvas, e de água, tem correlações diversas. Se as matas ciliares não fossem

dizimadas pelo agronegócio, por exemplo, as precipitações seriam mais frequentes, e os rios

perenes, para a garantia do rico e biodiverso bioma Caatinga.

Miséria é denunciada, mas não passa disso.

Pequenos proprietários de terra, como seu Arnou, na região de Senhor do Bonfim,

convivem com famílias numerosas numa área de terra esturricada, açudes secos, rachados. As

poucas cabeças de gado morrem de fome, envenenadas por comerem o que não podem, as

galinhas adoecem. Por extensão, “faltam empregos – hordas de flagelados mínguam às

margens das rodovias pedindo esmolas. Em alguns casos, é o que mantém famílias inteiras.

Falta comida. As lavouras de feijão, mandioca e milho, ração básica dos sertanejos, viraram

palha há muito. As cabras disputam restos de pasto e um ou outro arbusto de jitirana, planta

típica e resistente. Sem emprego e sem comida, falta Estado”. (FURTADO, 2012)

Complementamos as informações de Furtado para reforçar o ciclo perverso da seca no

envolvimento de problemas em cadeia. Na roça do seu Sabino Ferreira, 81, e dona Iracema,

80, na Passagem Velha, Bahia, das 20 cabeças de gado, que sustentavam 50 litros de leite, em

média, por dia, seis morreram logo nos primeiros meses da histórica seca desse ano de 2012.

Com uma aposentadoria de 560 reais o proprietário não consegue mais pagar o leiteiro, não

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pode comprar água, os netos e bisnetos não têm mais graça para brincar no terreiro

esturricado, e vidas vão se sucumbindo, sonhos derrubados. Mas a gente escuta pessoas como

seu Sabino Ferreira dizer coisas assim: “Se a gente morre, o gado também morre, e vai fazer

se o quê!?”.

Reflexões

Os caminhos para a atuação em jornalismo ambiental ativista podem requerer uma

combinação de tecnociência na elaboração de políticas, com pluralismo de métodos, para

descobrir alternativas na construção de cadeias de produção de informações harmoniosas de

ponta a ponta, num processo aberto a investigações empíricas, incluindo estratégias de valor

popular, para sustentar-se horizontalmente. A crise ética que se observa no jornalismo, com

críticas severas da própria categoria no desempenho da função, aliada ao processo

democrático de escoamento de informações em redes virtuais, tem levado jornalistas,

decepcionados com o mercado corporativo, para iniciativas próprias, em blogs, sites e grupos

de identidade focada em áreas específicas.

Assim, observa-se no Brasil, na Bahia, a partir de Salvador e também no interior, uma

mídia colaborativa, corajosa, que se expõe, se mostra, ao se comprometer em veicular

informações que confrontam interesses corporativos. Uma mídia que paga para trabalhar, ao

sustentar, por conta própria, pequenas estruturas de funcionamento como computadores,

internet, manutenção de máquinas fotográficas, deslocamentos para coberturas de crimes e

desastres ambientais, que faz palestras, oficinas, rodas de diálogos, exposições fotográficas

sobre temas como exploração de mão de obra no campo, manifestações de povos tradicionais

indígenas, quilombolas, agricultores familiares e uma série de ações insustentáveis observadas

em ambientes degradados, impactados por projetos empresariais, governamentais, e até

mesmo por ONGs que se dizem sustentáveis, sem ser, ao observamos impactos nas

comunidades que confirmam a distância entre o discurso e a realidade.

Links da entrevista especial

Liliana Peixinho: <http://lilianapeixinho.blogspot.com.br/>. 21.04.2012>.

Ciência e Cultura - Agência de Notícias em CT&I da Bahia:

<http://www.cienciaecultura.ufba.br/agenciadenoticias/entrevistas/andre-trigueiro/>.

Envolverde: <http://envolverde.com.br/portal/arquivo/?cod=84692>.

movimentoAMA: <http://movimentoama.wordpress.com/author/movimentoama/>

18

Mundo Sustentável: <http://www.mundosustentavel.com.br/2010/11/entrevista-antes-da-

palestra-espirito-e-ecologia/>.

Revista Rebia: < http://issuu.com/portal-do-meio-ambiente/docs/revista-do-meio-ambiente-

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