Thursday, March 12, 2015

OLHAR TRANSVERSAL SOBRE MÍDIAS COLABORATIVAS

OLHAR TRANSVERSAL SOBE MIDIAS COLABORATIVAS
Trabalho acadëmico apresentado na UFBa
Por: Liliana Peixinho'
Especialização em Jornalismo Científico e Tecnológico
UFBA -  Universidade Federal da Bahia
Facom - Faculdade de Comunicação
2010 - 2013 

   

Jornalista, ativista Liliana Peixinho


Jornalismo colaborativo no contexto dos desafios cotidianos

Uma nova ordem mundial está colocada para cada cidadão, planeta Terra adentro. Promover o bem-estar de quem produz, de quem consome, e garantir a conservação da matriz natural, revela-se desafiador. Onde e como o jornalismo ambiental colaborativo se insere nesse contexto? Para responder, consideramos, neste trabalho, ser mais importante que quantificar, ser sensacionalista ou alardear os efeitos negativos provocados pela ação humana nos ambientes de convivência, em meio às catástrofes, descuidos, desperdícios, gestões ineficientes, mostrar que está faltando ao ser humano entender, interiorizar, absorver, no coração, na alma e no cérebro, que a felicidade de ser, existir, viver, pode estar na busca do encontro com o outro, do meu para o nosso. Solidariedade, voluntariado, ativismo cidadão, altruísmo, são palavras fundamentais neste cenário. Mais do que consumo por status, civilizado deve ser usar por necessidade de preservar a vida, em risco diário. 

Nos últimos 25, 30 anos, a mídia, de modo geral, tem pautado a questão ambiental de forma quantitativa. No entanto, o caráter alarmista, sensacionalista e catastrófico, tem superado o compromisso com informações qualitativas, preventivas, educativas, diante dos desafios impostos pelas mudanças e adaptações necessárias à preservação da vida, num planeta em constante mutação. A conferência mundial Rio+20 (ONU, 2012), realizada pela Organização das Nações Unidas (ONU), foi muito criticada pelos movimentos livres da sociedade civil, como a Cúpula dos Povos na Rio+20, (BRASIL, 2012) diante de propostas focadas em “economia verde”, “mercado verde”, fora de sintonia com os desafios históricos da humanidade, como o combate à fome, à pobreza e ao desperdício, junto com a preservação de recursos naturais. 

O conceito “sustentabilidade” está em xeque, diante da necessidade de ações reais para conteúdos ligados a preservar, resgatar, reconhecer e promover a vida, de forma integral e contextualizada. Valor que requer compromisso com modelos de desenvolvimento que não sejam “ecologicamente predatórios, socialmente perversos e politicamente injustos”, (ONU, 1992) conforme descrição da ONU para o conceito, durante a Conferência Internacional sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio 92. 
Na cadeia de valor da vida, e não do conceito como marketing vazio, a informação transversal, sustentável, quer aprofundar o olhar sobre os diversos processos produtivos que envolvem investigação, sistematização e divulgação de notícias, fatos e opiniões que percebem meio ambiente como espaço aberto, plural, diversificado. 

No livro Jornalismo Científico e Desenvolvimento Sustentável, de Cilene Victor, Graça Caldas e Simone Bortoliero, as pesquisadoras, professoras do primeiro curso de jornalismo científico e tecnológico da Bahia, implantado pela Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (Facom-UFBA) reforçam a tese de que “meio ambiente é o complexo de relações, condições e influências que permitem a criação e a sustentação da vida em todas as suas formas”. Complexidade interativa justificada no argumento de que meio ambiente “não se limita apenas ao chamado meio físico ou biológico (solo, clima, ar, flores, fauna, recursos hídricos, energia, nutrientes, etc.), mas inclui as interações sociais, a cultura e as expressões/manifestações que garantem a sobrevivência humana (em política, economia, etc.)”. (BUENO apud VICTOR; CALDAS; BORTOLIERO, 2009, p.103)

Referências citadas para a defesa de um jornalismo ambiental com ações conjuntas, transversais e contextualizadas nos desafios de produção e consumo de forma harmoniosa. Jornalismo com informações que valorizem a formação de cadeias produtivas de ponta a ponta, da fonte ao leitor, para o desenvolvimento sustentável. O e-book Olhar Transversal sobre a Mídia, um dos produtos apresentados no final do curso de jornalismo científico e tecnológico da Facom-UFBA, condensa publicações com esse foco.

Nesse contexto de aprofundamento de valor da informação, destacamos pesquisas realizadas pelo professor Wilson da Costa Bueno sobre o conceito de desenvolvimento sustentável, explicitado em 1987 pelo Relatório Brundtland, sob a responsabilidade da Comissão Mundial de Meio Ambiente da ONU, instituída pela Assembleia Geral das Nações Unidas: “Ao longo desses 25 anos, ele tem sido apropriado por governos, empresas e entidades, que o contemplam a partir de interesses empresariais ou políticos, muitas vezes com objetivo para legitimar ações e posturas nem sempre adequadas ou éticas” (BUENO, 2008). 

A análise de Bueno aprofunda o debate entre comunicação e sustentabilidade e expande a crítica sobre “uma visão reducionista, comprometida com uma perspectiva meramente econômica, quando difundiu uma acepção equivocada do conceito de desenvolvimento, que acabou sendo confundido com o de crescimento econômico” (ibidem). Visão estreita que tem merecido a crítica severa de especialistas, notadamente daqueles que insistem em pensar o desenvolvimento de maneira mais abrangente, como José Eli da Veiga (2007), Boaventura Santos (2005), Celso Furtado (1996) e outros incomodados com a sua redução a indicadores econômicos como o PIB (Produto Interno Bruto), que, além de não resgatarem a integridade do conceito, o desvirtuam.

Conexões, pesquisas e elos de entraves

Desse olhar surgem percepções sobre a conexão que podemos estabelecer entre pesquisa, inovação, jornalismo científico e sustentabilidade, de forma transversal. O discurso exposto na mídia por consultores e especialistas parece desconectado da realidade, na qual projetos ditos sustentáveis maquiam cenários frágeis, diante do que, como, quanto, onde e para quem se produz.

No artigo Pesquisa, Inovação e Jornalismo Científicoo professor Wilson da Costa Bueno reforça esse enlace político-econômico quando expõe, com propriedade, que o pesquisador brasileiro é competente, que há centros de excelência em C&T em nosso país, grupos de pesquisa ativos e que se inserem “magnificamente” no cenário internacional, mas que “estamos ainda muito distantes do ideal”. (BUENO, 2012) Responde, também, questionamentos sobre quais as razões que justificam esse quadro: “Muitas, infelizmente. Em primeiro lugar, porque, no fundo, o incentivo à pesquisa, e sobretudo à inovação no Brasil, é assistemático e está à mercê de autoridades que, sem foco, sem política efetiva (apesar do discurso e de ações meramente midiáticas), não conseguem criar um ambiente favorável a médio e longo prazos”. (BUENO, 2012) Destaca que pesquisa “precisa de tempo, de maturação, planejamento, capacitação permanente e, é lógico, precisa de recursos”. (ibidem

No nosso papel aqui, de focar a distância entre o que se diz que faz, o que se faz, e o que realmente não tem sido feito, necessário se faz reforçar os argumentos do pesquisador Wilson da Costa Bueno, como umas das referências de nossos estudos, quando diz: “Apesar de os governos proclamarem a inovação como uma necessidade, uma prioridade, na prática isto está longe de acontecer. As dificuldades interpostas pelos governos ao investimento das empresas privadas em pesquisa e desenvolvimento (P&D) são enormes e incluem custos de financiamento elevados, alta carga tributária, juros que tocam as nuvens, burocracia obscena e por aí vai. As empresas públicas de pesquisa recorrentemente estão às voltas com crises, salários baixos para pesquisadores e corpo técnico, e muitas vezes se tornam reféns de decisões políticas que travam o processo de investigação”. (ibidem)

Estaria aí, nesse modelo perverso de relações de poder, corajosamente exposto por Bueno, (ibidem) a origem de alguns entraves sociais, ao se perceber que no setor empresarial identifica-se resistências para mudanças de práticas atreladas ao modelo de desenvolvimento pós-Revolução Industrial, no qual o crescimento a qualquer custo é confundido com desenvolvimento e sustentabilidade? O jornalista Ricardo Voltolini, criador da Plataforma Liderança Sustentável, difundida a partir de 2010 em ambientes corporativos em todo o Brasil e fora dele, pode nos responder quando argumenta: “Não dá mais para articular unilateralmente e vender um discurso bonito e conveniente de preocupações socioambientais, sem antes resolver os dilemas e contradições intrínsecos aos negócios, justamente os que insistem em puxar a corda no sentido contrário. Antes, é preciso fazer a lição de casa. E bem feita. A sociedade está mais atenta. E as organizações que a defendem, muito mais on guard”. (VOLTOLINI, 2011a)

Na Plataforma Liderança Sustentável, Voltolini promove a visão integrada de gestão em ambientes corporativos, com a aceitação de quem mais tem resistido em promover mudanças que possam garantir a sustentabilidade de fato: as organizações empresariais. Por meio de palestras realizadas em diversos estados do Brasil e no exterior, Voltolini usa depoimentos de lideranças empresariais de peso em ações socioambientais, para formar novos valores, com os quais a liderança horizontalizada, com “ecosofia”, pode chegar a ações sustentáveis. A ousadia em inovar no meio corporativo credenciou Voltolini para expor, em suas palestras, a diferença entre greenwashing e sustentabilidade real. Desafio que merece atenção no acompanhamento da Plataforma Liderança Sustentável.

Ativismo ambiental em redes sociais  

As mídias livres ocupam, com velocidade tecnológica, espaços democráticos, interativos, construídos a partir de ações individuais para coletivas, em redes. O exercício dessa comunicação interativa ganha força em ações colaborativas, voluntárias, proativas, articulada em redes, proporcionadas pela internet, em ferramentas móveis, como celulares, tablets, lap tops, filmadoras. São tecnologias que fortalecem mobilizações populares de insatisfação social local, como em Salvador, Bahia, com os movimentos Avança Salvador, Movimento Amigos do Meio Ambiente, Desocupa, Xô Corrupção, Rama, UFB@migos, Jornalistas com Letra Maiúscula, Pérolas da Mídia, dentre outros. 

Ou no Brasil e mundo afora, como a Primavera Árabe, os Indignados, Veta Dilma, Seca no Nordeste, Ficha Limpa. Movimentos horizontalizados em redes sociais, que pautam, investigam e compartilham informações para o enfretamento dos regimes do Norte da África, ditaduras das finanças na Europa, capitalismo norte-americano, manifestações contra corrupção no Brasil e outros países, até dicas e receitas domésticas contra o desperdício de alimentos, água, energia, reaproveitamento de resíduos, com arte, geração de renda, inclusão, cidadania. Ativismos que amadurecem movimentos sociais e fazem surgir novas formas de comunicação espontânea, livre, que fortalecem manifestações contra problemas históricos: injustiça, desemprego, fome, violência, insegurança, desigualdade. O movimento por uma mídia livre, por exemplo, tem forma, força e poder, pauta, discute e abre espaços em agendas planetárias, como a Cúpula dos Povos na Rio+20. (BRASIL, 2012)


O papel da ciência, do jornalismo científico e ambiental no processo de democratização da informação, é reforçado com essas interações em redes virtuais, geradoras de manifestações populares no contexto insustentável da política macroeconômica e dos elos entre ciência e poder. Esta interação pode transitar entre superficialidade, sensacionalismo ou compromisso com a informação. Em sua página no Facebook, o professor Wilson da Costa Bueno revela essa liberdade de uso, e tanto pode postar a foto do casamento de sua filha, como valor familiar, como publicar notícia “bomba”, que compartilho aqui, sobre as relações de poder entre ciência e capital financeiro, vindas por meio da replicação, em post coment, da denúncia feita no artigo Silêncio Ensurdecedor: a Corrupção Acadêmica Existe, escrito por Charles Ferguson, publicado na caderno Ilustríssima do jornal Folha de S.Paulo e originalmente no jornal britânico The Guardian, no qual o autor revela a relação entre a área acadêmica e os grandes interesses privados. Wilson analisa o texto dizendo: "Meia dúzia de firmas de consultoria, vários birôs de palestrantes e diversos grupos de lobby de setores diferentes mantêm grandes redes de acadêmicos de aluguel, com o objetivo de defender os interesses desses grupos em discussões sobre políticas e regulamentação".

Ciência para que, para quem e por que? 

O criador do curso de jornalismo ambiental da PUC-RJ, autor dos livros Mundo Sustentável - Abrindo Espaço na Mídia para um Planeta em TransformaçãoMeio Ambiente no Século 21 e Espiritismo e Ecologia, André Trigueiro, responde indagação da repórter Liliana Peixinho, em entrevista para a Rede de Articulação e Mobilização em Comunicação Ambiental (Rama), em dezembro de 2010: “Temos uma ciência, que, por vias não lineares, ajuda a gente, ou a humanidade, a prestar mais atenção no valor do meio ambiente, da natureza. Vamos dar o exemplo da Conferência de Nagoya, em que, pela primeira vez, se apresentou um estudo valorando os serviços ambientais”. Trigueiro pontua a questão, objetivamente, quando questiona: “Quem fez esse estudo estava interessado em quê? Em sensibilizar empresários para que corroborassem a favor de um tratado internacional, em que se realizasse um movimento em favor da retirada sustentável dos recursos, respeitando a capacidade de suporte dos ecossistemas. Então, é preciso que cada um, com suas ferramentas metodológicas, com sua visão de mundo, possa contribuir para um novo modelo de desenvolvimento, que é o que interessa”(PEIXINHO, 2010)

Paradoxos múltiplos no campo investigativo

No ativismo jornalístico ambiental, observamos desafios em campo, com paradoxos múltiplos entre o discurso e a realidade cotidiana, no próprio campo da comunicação. Importante trazermos aqui, neste contexto, a reconstrução de valores para a preservação da vida em ambientes fragilizados, identificados na cidade de Salvador, no Estado da Bahia, e nas regiões Nordeste e Norte do Brasil. Urgente também é focar problemas sérios como o da pior seca dos últimos 40 anos de forma contextualizada. A imprensa corporativa não aprofunda os efeitos negativos da seca na Bahia em 2012, ligados a conceitos sobre comunidades tradicionais como multiplicidade de comportamentos, línguas, etnias, saberes e modos de vida presentes na singularidade multicultural brasileira. 

Conceito que apesar do reconhecimento legal, em fevereiro de 2007, com a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais (BRASIL, 2007), parece não ter se efetivado, de fato, junto aos povos que resistem, sofrem e morrem para manter tradições. Ao se observar como vivem alguns coletivos em comunidades das regiões Norte e Nordeste, em zonas rurais, e até nos grandes centros e cinturões urbanos de grande concentração de miséria, em campo jornalístico investigativo voluntário e livre, como dos movimentos AMA e Rama, constatamos que a foto bonita, do marketing sustentável vazio, empresarial e governamental, não cai bem com a realidade local, nativa. Evidências que fortalecem o paradoxo entre o que se publica como sustentável e o que se vê no cotidiano das ruas, escolas, hospitais, residências, estradas, trânsito, como literalmente insustentável.

O campo investigativo é o ambiente de trabalho gerador de informações. Trago aqui descobertas que fiz durante as aulas do curso de jornalismo científico, na disciplina história da ciência, ministrada pelo professor Olival Freire, para demonstrar a importância desse processo no exemplo do pesquisador Charles David Keeling, pioneiro em estudos sobre mudanças climáticas, que gostava de experiências químicas ao ar livre. Suas atitudes causaram uma revolução no pós-doutorado do Instituto Tecnológico da Califórnia, Estados Unidos, no anos 1950, ao relacionar fatores externos, de campo aberto, com experiências laboratoriais, fechadas. “Como gostava da vida ao ar livre, terminou se envolvendo com trabalhos que deveriam ser conduzidos do lado de fora do laboratório. Seu obstinado trabalho de monitoramento ao ar livre foi logo reconhecido, tornando-se algo muito maior e mais importante do que todas aquelas baboseiras comerciais que detestava”. (COSTA, 2005) Keeling, ou Dave, como carinhosamente era tratado – assim como Fritjof Capra, Wilson da Costa Bueno, André Trigueiro, Dal Marcondes, Vilmar Berna, Silvestre Gorgulho, Simone Bortoliero, Washington Novaes, Cilene Victor –, ousa defender o ambiente, a vida, as pessoas, e tudo que nos cerca, de uma forma cuidadosa, detalhada, onde tudo tem a ver com tudo, de forma transversal, integrada. 

O papel da comunicação é discutido como instrumento de poder e construção da cidadania. Nesse contexto André Trigueiro (PEIXINHO, 2010), diz: “Não há problema mais delicado para o meio ambiente, hoje, que o da comunicação. Só ela pode retirar as chamadas questões ambientais do gueto em que estão colocadas (fazendo de conta que são isoladas, apartadas) e levar a sociedade a entender que todas as ações humanas têm impactos sobre o concreto – a água, o solo, o ar, os seres vivos”. Concordando com Trigueiro, reforçamos a tese de que tudo o que se relaciona com o meio ambiente precisa permear qualquer discussão econômica, política, social, ambiental. Em todas as áreas. Da mesma forma, difundir a ideia de que “precisa estar no início e no centro de todas as políticas públicas e de todos os empreendimentos privados, para que os impactos possam ser avaliados previamente, eliminados, minimizados, e tenham seus custos atribuídos a quem os gera, e não a toda a sociedade. Mas é raro que a comunicação siga por esse caminho”. (NOVAES apud TRIGUEIRO, 2005, p.15)

Mídia especializada e sustentabilidade

Aprofundar, rediscutir o papel da mídia especializada em comunicação e sustentabilidade é desafio quando se tenta perceber as formas de atuação do jornalismo ambiental colaborativo, ativista, no paradoxo entre sustentabilidade e discurso “marketeiro”. Ativismo que trabalha o conceito de transversalidade da informação com o compromisso de divulgar, difundir, socializar o conhecimento, a ciência, junto aos interesses entre defesa de ambientes fragilizados versus exploração predatória. O e-book Olhar Transversal sobre a Mídia (PEIXINHO, 2012) condensa publicações que envolvem comunidades tradicionais, territórios excluídos, caos urbano, denúncias de exploração do capital político-econômico que confunde crescimento a qualquer custo com desenvolvimento sustentável. Registra, também, exemplos positivos de autossustentação comunitária em comunidades indígenas do sul da Bahia, como exemplo de que pode dar certo quando o protagonismo comunitário ocupa espaços em confrontos político-econômicos.

A visão transversal defendida por Trigueiro exige compromisso de uma comunicação sem espaço na mídia corporativa. Programas ditos “sustentáveis” são apoiados por patrocinadores cujas atividades são foco de críticas, denúncias e falta de compromisso ético, com alianças paradoxais. Que espaços a mídia estaria abrindo para um mundo sustentável? Compensar pegadas ecológicas de peso por meio de neutralização de emissões de carbono, plantando mudas de árvores, de forma simbólica, pode ou deve ser computado para dar crédito a um “produto” como sustentável? Para ser sustentável não se presume respeitar, integralmente, toda a cadeia de produção, de ponta a ponta, de forma harmoniosa, cuidadosa, com mudanças de hábitos dos próprios jornalistas durante o processo de apuração da informação? Onde podemos ver, observar, registrar uma redação sustentável? Isso seria, é, ou poderá ser, possível? Como, quando, em que medida? 

As experiências em campo real apresentam descompassos nesse processo: ou perde o profissional que se arrisca demais, ou perde o ambiente, quando o pessoal e o profissional prevalecem. O que poderia caracterizar-se como injustiça socioambiental, perseguição de mercado, intolerância capital, ou qualquer outra designação que identifique pessoas, profissionais, ambientalistas, jornalistas, educadores, comunicadores que lutam contra o greenwashing por compreender de forma profunda o valor e não o conceito de sustentabilidade? 

A percepção do paradoxo entre o “pintado de verde” e o ativismo colaborativo com foco em mídia e meio ambiente pode ser observado numa realidade que denuncia fatos contrários aos discursos institucionais, políticos, empresariais, e mesmo das ONGs, que se apoderaram do papel do governo para captar recursos e funcionam como tripé de um poder envolto em escândalos sobre desvios e mau uso de recursos alocados para projetos e ações sustentáveis. A coragem de expor o jornalismo ambiental de “fachada”, conforme Wilson da Costa Bueno, “repete a mesma hipocrisia observada na divulgação das ações pontuais de responsabilidade social, rotulando como sustentáveis práticas condenáveis, como as que estão relacionadas com o uso intensivo de agrotóxicos na agricultura. Imagina que será possível, como apregoam os arautos da biotecnologia (certamente a serviço das multinacionais das sementes) matar a fome do mundo com os transgênicos, não percebendo que o compromisso maior (único?) destas corporações é com os acionistas e com o aumento dos lucros. Gostam de ‘royalties’, não da vida”. (BUENO, 2008)

Discurso paradoxal

As evidências de fatos reforçam o paradoxo do discurso sustentável. A harmonia entre dizer que faz e fazer é aprofundada pela “ecosofia”, prática divulgada pelo publisher da revista Ideia Sustentável, Ricardo Voltolini, na Plataforma Ideia Sustentável. Em seu livro Conversas com Líderes Sustentáveis – O que aprender com quem fez ou está fazendo a mudança para a sustentabilidade, um dos desafios expostos, o do campo filosófico, é a necessidade de “colocar a ética no coração dos negócios. São muitas as barreiras para a adoção de uma perspectiva mais ética nas companhias, especialmente por causa do acirramento da competição, da necessidade de fazer mais com menos e com visão indulgente, porém culturalmente tolerada, de que no jogo do business as usual os fins justificam os meios. Será? Provavelmente, esse é um dos dogmas mais decadentes nestes tempos de ascensão do conceito de sustentabilidade e dos valores que ele implica”. (VOLTOLINI, 2011b, p.28)

Desafios e compromissos do repórter

É reclamação comum do jornalismo que o processo de apuração de informações na mídia tradicional, corporativa, é burocrático, apressado e superficial. As pautas não têm compromisso profundo com a investigação e repórteres podem se tornar meros cumpridores de pautas, instrumentos de intermediação de poder. É um jornalismo que não abre espaço para priorizar informações que liguem meio ambiente com o resgate das raízes da formação do povo brasileiro, onde a identidade deva ser valorizada, em forma e conteúdo, para justificar o uso do termo sustentabilidade. Observemos o que diz o professor Wilson da Costa Bueno: “As questões ambientais, para esses segmentos da mídia, só podem (e devem) ser resolvidas por uma elite, os especialistas, com a exclusão correspondente dos menos favorecidos, os que não têm voz, como os povos da floresta, os agricultores familiares, os atingidos pelas barragens, os pescadores, os mateiros e todos aqueles que não dominam o discurso competente dos que se encastelam em ambientes refrigerados e veem apenas, em seu egoísmo intelectual, o seu próprio umbigo, sua carreira, sua promoção pessoal”. (BUENO, 2008)

Contribuição do jornalista especializado

Nessa ótica, interessa abordar como a mídia especializada, e dentro dela, como o jornalista, em equipe e/ou individualmente, pode, ou não, dar a sua contribuição para a transversalização da informação dentro do papel que lhe cabe como difusor, propagador de mídia especializada em sustentabilidade. Até onde cada um tem ido, feito, mudado, nos mínimos e importantes gestos cotidianos?. “E, nessa contribuição, como você observa o papel do jornalista nos seus mais diversos campos de atuação, na transversalizacão sobre a visão de mundo, para o resgate de valores humanos, espírito solidário, mudança de comportamento com relação ao consumo para um planeta mais cidadão?”. (PEIXINHO, 2010)

Importante aqui contextualizar meio ambiente e transversalidade no pensamento sistêmico do físico e educador Fritjof Capra na apresentação do livro Mundo Sustentável, de André Trigueiro: “A preocupação com o ambiente não é mais apenas uma dentre várias questões. É o contexto em que se desenvolve todo o restante – nossas vidas, nossos negócios, nossa política”. (TRIGUEIRO, 2005, contracapa) Na análise que faz do livro, Capra diz: “Em suas análises e discussões, Trigueiro mostra que a proteção ambiental é uma empreitada que transcende todas as diferenças de raça, cultura, classe, que a Terra é nosso lar comum e que criar um mundo sustentável é nossa tarefa comum”. (ibidem) Após entender as observações de Capra, contextualizamos as observações sobre a necessidade do olhar jornalístico ampliado reforçando o que ainda se ressente, quando Trigueiro responde indagação da repórter Liliana Peixinho sobre o papel do jornalismo nesse contexto: “Eu entendo jornalismo como duas frentes de trabalho que não se excluem, pelo contrário, são complementares: denunciar o que está errado, sinalizar os rumos, as saídas, as alternativas, opções inteligentes em favor da vida”. (PEIXINHO, 2010)

Quando lemos as observações de outro jornalista, experiente na área de sustentabilidade, Dal Marcondes, podemos entender melhor a necessidade desse olhar contextualizado: “Os grandes desafios do desenvolvimento passam pelo conhecimento. Ele é fundamental para que os cidadãos possam, em seu cotidiano, tomar decisões”. (MARCONDES, apud TRIGUEIRO, 2005, contracapa) Desafio difícil quando observamos uma comunicação atrelada ao poder político de manutenção da ignorância, e outro jornalismo em plantão full time, em eterno dead line, sem estruturas de retaguardas, e fincado em princípios éticos que dificultam alianças com quem está a fiscalizar, observar, denunciar. Mas, importante perseguir o que o jornalista Marcondes, fundador da Envolverde, coloca: “Cada um tem de compreender que é parte de um todo e que qualquer solução deve, necessariamente, envolver cada indivíduo. A cidadania passa, também, por um jornalismo sem adjetivação. Não é jornalismo ambiental, econômico ou esportivo. É apenas jornalismo”. (ibidem)

Ao considerar que jornalismo científico e cidadania têm em comum a necessidade da promoção da informação como instrumento de poder e transformação, precisamos ter consciência de que vivemos num mundo globalizado, transparente, vigiado, controlado, impossível de se escamotear informações. Nesta conexão entre o proativismo de ações individuais e elos com o paradoxo sustentável, observamos produções veiculadas no ambiente globosférico interativo virtual e presencial. É nesse desafio que vemos o protagonismo jornalístico cidadão blogosférico assumindo compromissos que deveriam ser da ciência. Observamos o que aprofunda o artigo Crescimento econômico, meio ambiente e sustentabilidade social, publicado no site Mercado Ético, quando aborda “as responsabilidades dos cientistas”. 

Segundo o autor, Hugh Lacey, (2009) “a identificação da ciência com a tecnociência, e, assim, a virtual exclusividade da pesquisa conduzida dentro da abordagem descontextualizada, reforçada pelos valores do progresso tecnológico, fundamenta uma visão inadequada da responsabilidade dos cientistas, qua cientistas. De acordo com esta visão inadequada, é comum dizer que a crise ambiental e a desigualdade na distribuição dos benefícios derivados da ciência não fazem parte da responsabilidade dos cientistas enquanto tais, e que em problemas de aplicação a responsabilidade dos cientistas é apenas fornecer conhecimento objetivo para a criação de aplicações, em princípio imparcialmente em relação a perspectivas de valores. Como o conhecimento é realmente usado não é responsabilidade dos cientistas, já que isto está fora de seu poder, e os cientistas nada podem fazer se aqueles que têm o poder para utilizar o conhecimento científico, por exemplo, governos e grandes corporações, o fizerem de forma que não concorde com a neutralidade. Isto não é suficiente. Eu sugiro que faz parte da responsabilidade dos cientistas perceberem as condições socioeconômicas da produção do conhecimento científico e do espaço de alternativas, e garantir que, quando o conhecimento científico é aplicado, todo conhecimento relevante seja gerado e considerado – e, quando não for, insistir que mais pesquisas sejam realizadas, ou (pelo menos) não emprestar a autoridade da ciência a propostas que não foram pesquisadas adequadamente”. 

Sustentamos o que sinaliza Lacey quando diz que os cientistas: “[...]tentam identificar – através de deliberações democráticas (em que alguns prevêem que os novos arranjos podem surgir dialeticamente das práticas dos movimentos populares e de seus aliados – arranjos sociais em que um novo equilíbrio se torna possível entre a sustentabilidade e as atividades econômicas que servem o bem-estar humano.”. (ibidem)
A referência de Lacey reforça faces de um jornalismo ambiental ativista colaborativo, que observamos em grupos, redes, listas, que se retroalimentam em ambientes virtuais para reais, pessoais, face a face, em praças públicas, shopping centers,shows, passeatas, manifestações públicas, contra consumo exagerado, desperdício, uso indevido de recursos públicos, falta de investimento em infraestruturas necessárias à garantia de direitos propulsores da cidadania. Se sustentabilidade, por conceito, pressupõe harmonia entre produção e consumo, na escala de valor o que sinaliza como dominante é o capital. Uma mídia especializada em meio ambiente e sustentabilidade mostra, faz, cumpre o seu papel mobilizador, articulador, comunicador, diante de sinais do mal-estar humano. É no paradoxo discurso versus realidade cotidiana que a vida exige novas formas de produção e consumo para as adaptações necessárias em ambientes desregulados em sua origem.

Observamos um jornalismo proativo, apaixonado, comprometido, ligado e preocupado em reforçar a informação como instrumento, ferramenta, caminho para compreensão contextualizada dos fatos, de forma sistêmica. Tarefa para jornalismo ambiental? As replicações em diversos sites e blogs da entrevista especial concedida pelo jornalista especializado em comunicação e sustentabilidade, André Trigueiro, reforça, de novo, a distância entre pauta e publicação, mas levanta novo olhar acadêmico sobre estruturas de editorias nas redações, tradicionais ou novas, virtuais. “Concordo com a tese de que a gente não precisa de uma editoria de meio ambiente. Eu não sou jornalista ambiental, isso me coloca num gueto em que não me sinto confortável”. (PEIXINHO, 2012)

É assim que muitos jornalistas que atuam com essa visão transversal se reúnem e formam grupos, listas, eventos sobre jornalismo ambiental. E é típico do jornalismo, criar, inventar, categorizar, rotular atitudes, comportamentos, ações, editorando-as. O que chamamos aqui de jornalismo ambiental ativista surge como contraponto à prática adotada pela mídia oficial cotidiana. Desafio posto para quem acredita em escolhas e procura entender e enfrentar adversidades para atuar na sociedade. “O jornalismo ambiental em nosso país enfrenta inúmeros desafios. Eles se iniciam no processo de capacitação do jornalista que irá trabalhar na área, se multiplicam nos veículos da grande imprensa e estão associados, inclusive, à própria percepção de seu papel por determinados segmentos da sociedade”. (BUENO, 2008). Desafios que Bueno vem expondo com coragem ao levantar questões que colocam a sustentabilidade em xeque diante da superexposição do termo cujo conceito anda distante da necessidade de ajudar o próprio ser humano a compreender, reconhecer, identificar e mudar comportamentos que desestabilizam sintonias entre ser e ter.  

James Lovelock pode ajudar na compreensão dessa simbiose quando diz: “Compreender o ambiente como um todo, para preservar a vida, e não o planeta, que com certeza terá suas forças naturais para vencer os estragos nele provocados”. (LOVELOCK, 1996, p.44). Foco que se reforça como pauta na mídia, diante do que expõem especialistas sobre a “necessidade de imprimir um ritmo mais acelerado à redução do impacto ambiental em atividades produtivas e dos produtos e si. Vimos que os avanços tecnológicos não se mostram suficientes para garantir um desenvolvimento sustentável, se for mantida a postura, predominante, de tentar controlar a poluição com base em medidas do tipo fim de tubo”. (KIPERSTOK et al., 2002, p.44)

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