Tuesday, January 05, 2016

Paradoxos do discurso "sustentável"

Meio Ambiente.bahia.ba
Publicado em 08/11/2015 às 07h00. Atualizado em 08/11/2015 às 08h31.

Paradoxos do discurso “sustentável”

Liliana Peixinho
A Ciência já comprovou, e a realidade reforça, o tempo todo, que a ação humana sobre o ambiente onde se desenvolve a vida, em suas múltiplas formas, tem efeitos perversos sobre a própria existência. As informações sobre o o clima indicam a necessidade de mudança de comportamento na forma de ser. Basta parar, desacelerar, para sentir os efeitos de fenômenos extremos: furacões, enchentes, secas, tsunamis, terremotos, doenças, migrações, eventos que exigem adaptações, para garantir a sobrevivência.Ter informações sobre a origem desses problemas é condição essencial para agir com prevenção, cuidado, civilidade, respeito aos nossos limites, em tão vasto espaço de constante ebulição.
Como jornalistas, comunicadores especializados, comprometidos com os desafios, em pautas historicamente reprimidas, não podemos perder mais tempo no faz de conta que faz, sem fazer. Como formadores de opinião, colaboradores, empoderadores de vozes, buscamos novos caminhos livres, independentes, mais eficientes no realizar, sair do discurso, ir a campo aberto, para concretizar a fala. Senão, que sentido há em pesquisar, teorizar, inovar, aprofundar o conhecimento, sem que isso se aplique, de fato, nos espaços de atuação onde a vida acontece? Importante dar exemplo, mostrar atitude. O jornalismo, em crise, tende a abrir espaço para a construção de novos caminhos para as mudanças que denunciamos, diariamente.
Oportuno aqui, resgatar o sentido, o conceito, da expressão ” sustentável”, altamente desgastada, banalizada, mal interpretada, criminosamente utilizada por aí para “limpar” sujeiras escondidas. Como tudo que requer cuidado, ser sustentável é trilhar caminhos limpos, construir cadeias de produção, consumo e descarte, harmoniosas, de ponta a ponta, linkadas ao sentido do bem viver coletivo, civilizado. O trabalho de qualquer ação, projeto, “sustentável’, requer planejamento, atitude, aplicação de políticas inclusivas, de verdade. “Equidade, justiça social e equilíbrio ambiental”, princípios da Carta da Terra, exigirão de cada um de nós, a prática de atitudes de mudança no jeito de ser. Com racionalidade, inteligência, espírito colaborativo, proativismo, solidariedade, visão sistêmica, em macrocontextos. Condições que rompem com as zonas de conforto raso para reinventar, recriar, reutilizar, revolucionar…. comportamento sujo, em limpo, no seu mais alto grau de concepção.
Vemos por aí empresas, escolas, ONGs, instituições diversas, que propagam projetos ditos sustentáveis, só na forma de apresentar, vender, seduzir o outro. E o desafio está posto: garantir a vida com qualidade, prazer, alegria. O desejo de querer mudar terá que vir de dentro, da consciência, do coração, de uma alma elevada, desapegada, generosa, solidária, disposta a fazer concessões individuais, em nome do todo. Não adianta mandar, ordenar, impor, fazer de conta, representar, teatralizar. As legislações existem aí a rodo, com todas as garantias, mas sem cumprimento real. A mudança só virá quando cada um (você, eu, ele, nós, todos, cada um, em nossa casa, trabalho, escola, espaço de lazer) introjetar, no coração, alma e cérebro, a importância de se respeitar a vida, em suas múltiplas necessidades.
As grandes corporações sabem que é mais eficiente adotar estratégias de preservação, que ficar desperdiçando tempo em medir os prejuízos na matriz geradora de tudo. Mas pouco tem mudado, de fato, o modo de se produzir. O governo gasta rios de recursos em estudos, pesquisas, diagnósticos e, até, incorpora o discurso “sustentável”. Mas a prática não corresponde ao que é propagado. O que vemos é ineficiência, falta de planejamento, desperdício, em paradoxo criminoso. Temos na mesa um modelo econômico, replicado no automático, para incentivar o consumo raso, a qualquer custo, em nome de commodities, crescimento, projeção de poder político. Em paralelo, observamos desigualdade, ausência de bens de serviços, gente mal alimentada ou com fome, desemprego, doenças, insegurança, analfabetismo funcional.
Quem sabe tenhamos a oportunidade de subverter, por exemplo, a visão antropocêntrica sobre o ambiente onde se desenvolve a vida, para um olhar integral, sistêmico, onde todas as coisas formam um todo, conectados. E daí, finalmente, possamos dar saltos civilizatórios! Quem dera o jornalismo pudesse valorizar o seu papel transformador social e ajudar a construir um Brasil Limpo! Um país onde conhecimento, tecnologia e recursos naturais, potencializem, reconheçam e valorizem povos tradicionais indígenas, quilombolas, pescadores, artesãos, agricultores familiares, com olhar atento sobre o bem viver. Um país onde o dinheiro público não seja repassado a empresas, ONGs, instituições com projetos ditos “sustentáveis”, mas, como vemos, desvinculados de valores de vida em harmonia, e a serviço de um eficiente marketing promovido pelogreenwashing .
Precisamos abrir mão dos umbigos egoístas, ações imediatistas, superficiais, repetitivas, convencionais; para transgredir, subverter, quebrar regras, em nome da dinâmica natural do Universo, com renovação, invenção, criatividade, compromisso, coragem e prazer em realmente fazer a fala. Nesse caos, quem sabe, desperte um novo Humano. Um ente capaz de entender, interiorizar, no coração, alma e cérebro, que a felicidade pode estar na busca do encontro com o outro. Com respeito, limites, valorização das diferenças e prioridade em Ser, mais que em Ter.
liliana campanha permanente desde 199 D zero camisa pretaLiliana Peixinho é jornalista, ativista, especializada em Jornalismo Científico e Tecnológico.  Fundadora do Movimento AMA – Amigos do Meio Ambiente. Autora de “Por um Brasil Limpo”, livro em pílulas virtuais, publicadas nas redes sociais.

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