Tuesday, January 05, 2016

Água, vida, descaso!

Meio Ambiente.bahia.ba
Publicado em 25/11/2015 às 13h19.

Água, vida e descasos

Em crimes como o de Mariana-MG, o apoio do governo a projetos corporativos como o da Vale fortalecem o olhar desumano sobre centenas de comunidades

Liliana Peixinho

lama e mar
A política ambiental brasileira é mesmo do faz de conta que faz. Os crimes contra o nosso patrimônio natural têm proporcionado a morte em cadeia: de pessoas, animais, florestas, rios, culturas tradicionais e até de esperanças. Cada dia os desafios se agigantam. O governo e as empresas promovem práticas perversas, em discursos desconectados com a realidade. Os fatos mostram a degradação de ecossistemas que levaram milhões de anos para se formar e em pouco tempo, horas, se acabam. O discurso, a fala, os projetos, não se encaixam com a realidade, com o sofrimento, a dor e as perdas populares. Seja em territórios rurais, em comunidades tradicionais indígenas, quilombolas, pescadores, fundos de pastos, artesãos, pequenos agricultores; ou em zonas urbanas, apinhadas de famílias expulsas de seus territórios, em nome de projetos capitais.
O mercado corporativo é cínico, frio, calculista e se baseia em números. Em crimes de alta proporção como o de Mariana, em Minas Gerais, a parceria e apoio do governo a projetos corporativos como o da Vale, fortalecem o olhar desumano, lama abaixo, sobre centenas de comunidades. Sem sucesso, querem tratar como desastres, o que sabemos ser crimes ambientais gravíssimos. Seja o rompimento de barragens mal estruturadas para armazenar altos volumes de rejeitos tóxicos; seja a demora de apagar o fogo queimando a vida, na Chapada Diamantina; seja a histórica e progressiva degradação do Velho Chico, sem condições de navegação, sem mata ciliar, com bancos de areias, dejetos industriais jogados diretamente nas águas, e uma série de problemas que afetam, diretamente, a vida ribeirinha. Aqui, ali e acolá, a vida mostra-se em descaso.
Saneamento é direito garantido, mas não cumprido. As cidades são sujas, o lixo transborda como rejeitos imprestáveis, e não deveria ser. As estradas estão com suas beiras de asfalto infestadas de sacolas plásticas, garrafas pet, latinhas, e resíduos diversos, descarregados sem nenhum critério, sem nenhum respeito aos espaços de convivência. Não se tem tratamento adequado aos resíduos, coletados de forma grosseira, sem o devido valor que representam na formação de cadeias harmoniosas, em culturas dos RS – com Reaproveitamento, Reutilização, Reuso, como insumos importantes para preservar a matriz geradora de tudo. O governo não demonstra preocupação com as perdas, sucessivas, periódicas, frequentes, de diversos ecossistemas onde a vida se desenvolve. Discursa, de forma rasa, irresponsável, sem embasamento científico, sem informação de qualidade, sobre a perda de patrimônios naturais.

Vidas não se refazem por decreto ou

com reparação de danos materiais

O olhar é sobre perdas econômicas, sobre o capital, sobre volumes, recursos financeiros, traduzidos em multas bilionárias, em projetos de recuperação de sistemas complexos, perdidos em gestões mais ávidas por resultados, a curto prazo, com aumento de produção de cargas e rejeitos não compatíveis com estruturas existentes. A comunidade científica, ambientalistas, educadores, povos ribeirinhos, pescadores, ficaram perplexos com a declaração da presidente do Brasil de que o Rio Doce iria ser recuperado e ficaria melhor que antes. Como pode alguém achar que pode deletar da memória, do sangue, do coração, da alma de cada pessoa afetada, prejuízos que não se mede em valor financeiro?
Indenizar famílias, reconstruir as comunidades atingidas, reconstituir a perda da capacidade financeira de quem não está conseguindo trabalhar, do comércio afetado, repor a estrutura pública destruída, indenizar pescadores, ribeirinhos, agricultores que dependem do leito do rio, são ações mínimas que se deve fazer.  O dano econômico da interrupção do fornecimento d’água e o custo de recuperação do Rio Doce, incluído dragagem, tratamento e reinserção da fauna, em especial de todos os peixes mortos, pode até acontecer, com a responsabilidade dos criminosos.  Mas vidas não se refazem por decreto, com cheques, ou com reparação de danos materiais.
Tínhamos água limpa, rios com peixes, margens sombreadas. O Brasil sempre foi propagado como o topo da biodiversidade do planeta, e o recurso: água doce, como um bem tão abundante, quanto descuidado. Agora está tudo contaminado: por metais pesados, por lixo exposto nas ruas, por falta de educação, por desperdício, por inúmeros atos cotidianos desajustados com o cuidado necessário. Tem povo no Nordeste, como no Ceará, onde não se planta mais nem arroz ou mandioca, por falta d´água. Os caçadores de água vão cada vez mais longe buscar novas fontes para suprir necessidades antes supridas em suas próprias regiões, mesmo com muito sacrifício. Consciência de quem sempre teve pouco e sabe usar e dividir, para não faltar.

liliana campanha permanente desde 199 D zero camisa pretaLiliana Peixinho é jornalista, ativista, especializada em Jornalismo Científico e Tecnológico.  Fundadora do Movimento AMA – Amigos do Meio Ambiente. Autora de “Por um Brasil Limpo”, livro em pílulas virtuais, publicadas nas redes sociais.
TEMAS: água , crime ambiental , descaso

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