Wednesday, February 19, 2014

26/02/2013 19:58:59

Indústria da seca, poder político e pobreza

Liliana Peixinho, especial para o Mercado Ético

Seca castiga rebanhos de gado / Fotos: Liliana Peixinho
O cenário da seca no Nordeste é de descaso, abandono e dor. As gestões municipais desconsideram estudos, previsões e diagnósticos já realizados. Resultados de pesquisas científicas, com indicadores de ciclos climáticos, servem mais para justificar a captação de recursos para elaboração de projetos e programas que não saem do papel, do que para ações reais de prevenção e cuidado com a vida. A falta de planejamento fortalece articulações políticas para a liberação de recursos emergenciais alocados em rubricas que deveriam potencializar a riqueza local para a auto-sustentação comunitária. Mas, em campo, a lógica é perversa. Parece ter sido calculada para manter sistemas que não funcionam, como a Saúde, a Educação, a Moradia e a Segurança.
A miséria é alimentada em períodos longos. Programas de benefícios de combate à fome e à miséria absoluta funcionam no curto prazo, mas ao longo dos anos os efeitos são preocupantes, pois inibem a proatividade e a sustentabilidade comunitária. O plantio diminui, os pastos aumentam, a mata some, o lixo aparece, os leitos dos rios somem e o povo, em agonia, faz de conta que vive. A informação circula rápido, de boca em boca, para cultuar valores descartáveis, incentivados por um modelo econômico que confunde crescimento com desenvolvimento a qualquer custo.
É exatamente sobre esse verdadeiro flagelo social e suas consequências que vai tratar a série de sete reportagens especiais Sertão Adentro, realizada pela jornalista e ativista Liliana Peixinho especialmente para o Mercado Ético.
Toma lá, dá cá
“Nunca vi tanto dinheiro solto como nessas eleições! Os caras chegavam era com os pacotes de mil reais, para conversar com os contatos das negociações de voto”. Ouvi essa frase de um senhor, numa conversa informal, com a cara mais cínica do mundo, sorriso largo de quem sabe que não está agindo certo, mas que parecia se justificar na máxima: “oxe, quem está melhorzinho faz assim. Por que eu ficaria de fora?”
Quem entra na conversa com discurso ético é logo cotado como besta e ingênuo. O que as pessoas dizem nas ruas é que não adianta nada pensar assim, porque se um não faz, tem outro, logo alí, já esperando a oportunidade pra fazer, pois a “necessidade é grande e os filhos, aos montes, esperam comida”.

Sobrevivendo mesmo diante das dificuldades / Foto: Liliana Peixinho
A miséria mantém seus elos com a insegurança alimentar, fome, sede, degradação de ambientes… Estão casadas com a falta de aplicação de recursos no combate aos efeitos perversos da indústria da seca. A falta de acesso à água para sanar problemas de perdas na agricultura, comércio e manter as cadeias de produção em torno da Vida é histórica e não basta denunciar, é preciso fechar o ciclo de crimes impunes.
O cidadão, que fortalece o poder político, continua sendo controlado através de contrapartidas eleitoreiras de enganação. E o Sertão é alvo histórico nesse processo. É o bolsa familia e outros sistemas de manutenção da miséria que indica a relação direta entre a falta de produção de feijão, milho, mandioca e outras culturas tradicionais de roças em cidades Nordeste adentro e afora.
“Faz mais de cinco anos que a gente não consegue mais plantar e colher como antes. Agora temos que comprar tudo na cidad:, o feijão, a farinha, o milho e até a mandioca, que a gente sempre fez a tapioca, e agora compramos o polvilho, já refinado“, diz Eroncio Porciono, pequeno agricultor de 54 anos, dois filhos, que recebe o benefício do governo e usa para comprar a cesta básica na cidade. Mesmo assim, ele tem muita dificuldade com tudo, inclusive para manter os filhos na escola, distante do local onde mora.
O Sertão está sedento de cuidados, Justiça, atenção, respeito ao seu povo. Na Bahia, por exemplo, dos 417 municípios do estado, mais da metade, cerca de 240 prefeituras, solicitaram o “decreto de estado de emergência”. Usado mais como ato político eleitoreiro, na criminosa compra de votos, do que para aquilo que o povo necessita, espera, merece e tem direito. As comunidades rurais continuam sofrendo muito com a falta d’àgua e todos os seus ciclos produtivos, interrompidos.
PERDAS EM CADEIAS
Um olhar contextualizado sertão adentro revela que a àgua é utilizada como moeda forte de troca. No curto tempo, na emergência de socorrer a vida, banaliza-se os meios políticos utilizados para, a longo prazo, aumentar o sofrimento nordestino, registrado em lentes ampliadas. Essa resistência aos efeitos negativos da seca alimenta a injeção gorda de recursos em programas como Água pra Todos, Combate à pobreza, miséria dentre outros, espalhados em Ministérios. Os desvios e desperdícios agem rápido no agravamento do quadro de miséria, capitalizado pela velha e perversa política coronelista, que só mudou de nome, como herança maldita entre gerações, de avô pra neto, de patrão para empregado, para a garantia de votos.
As perdas, essas sim, são transversais, e acumulam saldos culturais, pessoais e psicológicas, em cadeias sucessivas. Nesse cenário, mais de dois milhões de pessoas fragilizadas, sem saídas, engrossam as filas para se curvar e receber migalhas, em forma de cestas básicas, remédios, jogos de camisas de futebol, consultas médicas apressadas, para fazer de conta que cuidam da Vida, pendurada em cabides de subemprego.
O grande projeto político é a capitalização dos votos, em sistemas históricos de exploração, herdados do clientelismo, travestido em política inclusiva. Associações, sindicatos, ONGs e coletivos diversos integram um engendrado sistema de captação de recursos, construídos em representações de cargos políticos, para disputar editais forjados, processos seletivos escamoteados, contratação de consultorias técnicas, empregos/cargos arranjados por indicação, num sistema de controle total dos recursos.
O uso da água como moeda de troca é histórico. A capitalização política da miséria nordestina foi exposta por Josué de Castro como “Nordeste inventado”, na obra Geografia da Fome (Castro, 1984). Ao inserirmos a discussão sobre o acesso à água e outros direitos básicos não assegurados, a Bahia, por exemplo, se destaca entre os menores índices de IDH (Índice de Desenvolvimento Humano).
Manifestações populares de peso como a mobilização contra projeto de transposição das águas do Rio São Francisco, apoiada por ambientalistas, jornalistas, ribeirinhos, parlamentares, estudantes, igreja e representações comunitárias diversas, vindas em romarias, de todo o Brasil, em outubro de 2005, chamaram atenção internacional sobre o valor e importância da água nas comunidades historicamente excluídas desse direito.
O paradoxo entre o que se diz e que está sendo feito como discurso político empresarial e a realidade apresentada pela falta da ação concreta, in loco, não interessa detalhar, investigar e punir, para não se repetir. É nesse cenário que o sofrimento do nordestino vira tese de mestrado, doutorado, roteiro de filme, peças teatrais, letra de música, enredo de escola de samba, livros, onde a estética está mais para capitalizar a dor do que para encontrar saídas de fato.
(Mercado Ético)

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COMENTÁRIOS

Elizabeth Oliveira26/02/2013 às 21:15
Excelente texto, contextualizando uma dura realidade que vem se perpetuando historicamente, para assegurar a prosperidade de poucos, às custas da miséria e do atraso de muitos. Belo exemplo de jornalismo em profundidade. Parabéns à jornalista que produziu o conteúdo e ao Mercado Ético por abrir espaço para debate deste tema fundamental ao desenvolvimento do Brasil.
Castelini27/02/2013 às 10:58
Parabéns, pelo texto e vergonhoso ver e ler uma materia como essa, mas e a realidade, que tenho certeza que poderia ser amenizada ou acaba. Uma região como essa o que tem a oferecer aos politicos? nada?
Enquanto os politicos recebem decimo quarto e decimo quinto salario ( vergonhoso) nossos irmãos perdem o suor de anos por falta de estrutura e falta de empenho de politicos que só pensam em seus bolsos e em si próprios.
Pergunto VC já viu um politico lutar ou se empenhar em levar beneficios ou alguma estrutura para uma região desta?
Quem, Qual? deles. sabe quando isso vai acabar?
Clovis Brayner27/02/2013 às 11:19
Há uns 60 anos atrás, com poucos anos de nascido, já escutava esse tema e as possíveis promessas/soluções que nunca aconteceram, inclusive uma delas em Israel, onde a irrigação foi implantada com sucesso, isso há muitos anos…
Também ouvia sobre a indústria da seca e o processo eleitoreiro.
Acho que o problema começa no nosso povo, principalmente o nordestino, onde me incluo, que é em sua maioria desprovido de educação e cultura, trazendo por consequência acomodação em todos os sentidos.
Sobrevive porque é um forte, não sei até quando…
Exemplo recente de movimento NÃO SÉRIO e que envolve imprensa falada, escrita e televisiva: o assassinato do jovem boliviano. Se houvesse algo semelhante com relação à seca do nordeste, acredito que haveria ressonância junto aos poucos dirigentes e políticos sérios desse nosso pobre país, atingindo também a população e, quem sabe, se criaria uma Lista de Assinaturas, como a que está correndo atualmente e que já conseguiu mais de 1 milhão para excluir APENAS 1 cidadão indesejável ao povo.
ALANO BASTOS COSTA FILHO27/02/2013 às 13:23
Trabalho em um Banco de desenvolvimento regional. Apesar da realização de esforços repetitivos na tentativa de melhorar a situação encontrada nas pequenas propriedades do semiárido nordestino, com inserção de microcrédito direcionado para produção de grãos como o milho e o feijão, como também para a pecuária leiteira, sempre nos deparamos com a falta de infraestrutura hídrica e a consequente descontinuidade de projetos. Realmente a politicagem sem sentido e voraz influenciou na manutenção desse quadro de miséria. Projetos de açudagem e transposição de cursos de água sempre foram direcionados para empresários que muitas vezes nunca conheceram a realidade do sertão. Não desistamos de tentar ajudar nossos colegas do nordeste.
José Carlos Costa28/02/2013 às 10:52
Precisamos iniciar urgentemente um processo de simplificação do sistema como um todo que tenha por base a confiança!
Já percebemos que o atual sistema com alta burocracia motivada pela “desconfiança”, geradora da corrupção, da impunidade e do stress., que alimentam o medo e a violência.
Deveria haver um compromisso dos politicos nordestinos com a solução da seca… Eles é que deveriam fazer esse tipo de trabalho, percorrendo por meses essas regiões até ver os resultados do seu trabalho.
Precisamos simplificar o sistema judiciário, o executivo e o legislativo. Acredito que com isso não vamos precisar de tantos senadores, deputados e vereadores recebendo altos salários e benesses ultrajantes.
QUEM LEVANTA ESSA BANDEIRA?
Liliana Peixinho14/03/2013 às 7:17
Prezados leitores, cada um ai de vocês
Ir a campo coletar esses dados exigiu esforços além da nossa capacidade. Em nenhum momento pensei em desistir e não fosse o apoio do Mercado Etico para ajudar-me no conserto de um carro, velhinho, para voltar a Salvador/ Bahia, por certo estaria ainda em campo e voces teriam que esperar um pouco mais para entender o quanto de sofrimento esse povo está passando, e ainda deverá passar.
Sou uma jornalista independente, livre, free lancer, e agradeço demais o apoio do diretoria do Mercado Etico na publicação dessa série especial de oito matérias.
No entanto, gostaria de voltar à campo porque graças à visibilidade das matérias, aqui publicadas e replicadas nas Redes Sociais como Facebook, twitter, google +, entre outras tem me chegado, e gostaria de checar in loco, informações sobre uma onda de suicídios que vem ocorrendo em função da seca e sua continuidade, diante das previsões meteorol ógicas de falta de chuvas na região.
Quem quiser ajudar na expedição 2 SECA SERTÃO ADENTRO entre em contato com essa jornalista pelo telefone 55 – (71) – 9938 0159 .
Além da busca de novas informações também levarei boas informações em forma de livros, revistas e claro, entregar a cada um entrevistado um exemplar da nossa matéria, para os personagens de encontrar em suas próprias histórias.
Sds harmoniosas a cada um desses valiosos leitores
Liliana Peixinho
Washington Sidney14/03/2013 às 18:36
Parabéns, Lili. Excelente a reportagem e primoroso o texto. Pena que o número de profissionais de imprensa preocupados com dramas sociais como o da seca esteja tão escasso quanto a água no interior do Nordeste.
Flávia Maciel17/03/2013 às 0:12
Liliana, parabéns pelo trabalho. Precisamos dar visibilidade a essa tragédia. Estive na região de Monte Santo em abril de 2012, ainda era o início, e já era demais. Minha irmã Raquel também viajou pelo sertão no segundo semestre falou sobre o grande número de suicídios. Se pudermos ser útil no seu trabalho, conte conosco.
Raquel Maciel18/03/2013 às 11:24
Olá Liliane. Parabéns pela reportagem! Desde meados do ano passado, quando viajei pelo sertão da Bahia numa pesquisa do Ministério da Saúde, ainda não tinha visto uma matéria aprofundada sobre a situação calamitosa do sertão… parabéns pelo belo trabalho! Sei que não deve ter sido nada fácil enfrentar as dificuldades, a poeira e a tristeza por essas terras…
Sobre os suicídios, é fato. Fiquei assustada com a quantidade de suicídios, principalmente na região de Irecê. Muitas pessoas se matam por enforcamento, e na região não existe nenhum centro de apoio psicossocial. Nenhum! O número de pessoas com transtornos mentais também é altíssimo. Milhares de medicamentos de tarja preta são distribuídos nos postos de saúde, sem que seja feito nenhuma avaliação psicológica ou acompanhamento por um profissional específico. Quando visitei a região, em agosto do ano passado, mais de 40 pessoas já haviam se suicidado. A população já encara como algo normal e ja espera “o suicídio a semana!”. A maioria dos casos de suicídio parece que é por conta dos endividamentos. Os agricultores investem, pegam empréstimos, e sem previsão de chuva muitos se matam. Mas não apenas os agricultores se suicidam, até pessoas que não sobrevivem diretamente da agricultura se suicidam, como o caso que acompanhamos de uma enfermeira que tinha dois empregos e era bem sucedida, e se matou supostamente porque o namorado havia terminado com ela. O fato é… é uma “moda” na região e talvez pela condição de abandono… a seca deprime.
Nayane18/03/2013 às 20:26
É impressionante pensar que diante de tantos avanços tecnologicos, o problema na seca do nordeste parece não ter fim. E a população do sertão, fica na mesma situação, indo e vindo governo e nada de mudança. E no momento do voto o governo volta o seu olhar para aqules tão frageis, e sedentos nordestinos. É revoltante.
Ativista Ambiental Aramy Fablicio25/03/2013 às 13:04
Parabéns pela matéria , não vou falar porque fizeram um bom trabalho. tenho 47 anos e conheço todas as mazelas desde criança. Sou do munícipio de Fagundes, estado da Paraíba. Ativista Ambiental Aramy Fablici.
CARLOS SEBASTIAO FERRAZ MARTINS27/03/2013 às 19:57
DEUS ,esta muito triste,e muita maldade,e muita ganancia,e muito egoismo dentro dos coraçoes de quem ganha fortunas,para ajudar ou pelo menos tentar solucionar os problemas do nosso pais,pais que serve de calmante para o mundo inteiro,pois aqui nao temos catastrofes,terremotos,vulcao,tsuname ,nos somos o compromido do mundo,mais o que eles querem e acabar com tudo ,tanta gente sofrendo,fome e sede,gente sem saude morrendo nos leitos dos hospitais,isto,quando nao aparece um doido ou uma doida desligando aprelhos respiratorios nos hospitais pra acelerar a morte dos mais nessessitado,o povo nordestino sao os que mais sofrem,pena que nos os seres chamados humanos estamos caminhando por caminhos tao distantes de nossos irmaos,quanta desigualdadeSR TEM MISERICORDIA DE NOS,UM POVO PECADOR
Pedro28/08/2013 às 17:05
Não devemos matar nem um animal por que todos são criação de Deus
Mais se for para se alimentar pode só que se for para matar e deixar la para apodrecer
Os animais são criaturas de Deus como nos
Em tão por que nós matamos os animais se nós gostamos dos gato,cachorros,coelhos râmister,peixes e etc…
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